O Rei do Baião e o Viciado em Gasolina: Um Conto de Generosidade e Ironia

Nos anos finais da década de 60, Luiz Gonzaga, o venerado Rei do Baião, navegava com destemor pelas vastas planícies do sertão nordestino, a bordo de sua fiel Rural Willys. Era uma jornada interminável, um épico diário de poeira e suor que atravessava o sertão árido, com a Rural, uma companhia de ferro e memória, deslizando pelas estradas empoeiradas. Cada município visitado, uma nova parada, cada carroceria de caminhão improvisava um palco efêmero para a grandiosidade do Rei.

O trio que acompanhava Gonzaga era uma extensão inseparável de sua alma musical. Dominguinhos, com sua sanfona e espírito jovem, era o motorista da Rural, enquanto Tororó do Rojão, com seu triângulo inconfundível, muitas vezes assumia o volante em momentos de necessidade. Juntos, eles eram os trovadores do sertão, levando o som do Baião a cada recanto.

Numa dessas jornadas épicas, pelo interior de Pernambuco, o sertão revelou um episódio digno de um conto popular. À beira de uma estrada solitária, um velho Jeep estava estacionado, seu proprietário sinalizando desesperadamente, como um náufrago à espera de resgate. O Rei, com seu coração generoso e olhar aguçado, solicitou a Dominguinhos uma manobra de meia-volta.

Ao se aproximar do homem em dificuldades, Gonzaga, com sua voz profunda e calorosa, perguntou:

— O amigo tá precisando de alguma coisa?

O homem, espantado e encantado por encontrar o Rei do Baião, respondeu com um misto de alívio e surpresa:

— Vixe, meu Deus do céu! E não é o Luiz Gonzaga…

— Sim, sou eu. E o que é que tá faltando?

— Faltou gasolina…

A resposta imediata de Gonzaga foi uma oferta de ajuda, uma garantia de que o problema seria resolvido. Porém, Dominguinhos, atento aos detalhes, percebeu a falta de um vasilhame para o combustível. O proprietário do Jeep, com um orgulho que beirava o cômico, anunciou:

— Eu tenho!

Gonzaga, com um olhar penetrante e uma pitada de ironia, perguntou:

— E a danada da mangueirinha? Também tem?

O sertanejo confirmou com um sorriso de quem está sempre preparado. Após o abastecimento do Jeep, Gonzaga aproximou-se do homem e, com um sorriso sagaz, fez uma observação mordaz:

— Então o senhor tinha o vasilhame e a mangueirinha, né?

O homem, satisfeito com sua previsibilidade, respondeu:

— Sim, senhor. Sou um homem prevenido.

Gonzaga, com o humor que só os grandes possuem, retrucou:

— Não é não. Você é um homem acostumado.

Retornando à Rural, o Rei do Baião não conseguiu conter uma risada contagiante. Dominguinhos, intrigado, perguntou a razão daquela alegria.

— E o homem, quem é?

Gonzaga, entre gargalhadas, respondeu:

— Um viciado, um viciado em gasolina.

E assim, com a caravana retomando seu caminho, mais uma história se inscrevia nas trilhas do sertão, uma narrativa que mesclava generosidade com ironia, e que revelava a alma cativante do Rei do Baião. No vasto e árido sertão, Gonzaga continuava a ser uma fonte de humor e humanidade, transformando cada momento em uma memória perene.

João Guató

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