Uma Crise de Masculinidade à Brasileira

Aos 35, Carlos queria ser pai, mas sua vida já era uma montanha-russa de boletos e contratos temporários. Tinha terminado o ensino médio com louvor, mas a faculdade ficou no caminho – virou sonho distante diante da urgência de ajudar nas contas de casa. Em meio aos amigos de infância que já eram pais, ele sentia aquele vazio que não sabia explicar, algo que chamava de “falta de chão”.

E, nessa mesma falta de chão, outros homens se sentem perdidos. Carlos não sabia, mas ele faz parte de uma estatística crescente: a dos homens sem filhos, mas que, no fundo, queriam uma família. Nas conversas da esquina, quando o assunto é criar uma criança, a desculpa sempre é o custo de vida. Mas há outra coisa por trás disso. Sociólogos andam chamando de “infertilidade social” esse fenômeno que acontece quando o sonho de ter filhos se desfaz, silencioso, nas brechas da sociedade.

A cada dia, os números apontam para o mesmo fato: as mulheres estão alcançando patamares mais altos de educação e estabilidade financeira. E quando se trata de escolher um parceiro, essa busca pela estabilidade faz com que elas olhem para o lado – ou para cima – e não para baixo. Em bom português, o tal “efeito de seleção” age quase como uma barreira: a mulher que construiu uma vida segura não quer correr o risco de ter um parceiro que não sustente os planos para o futuro.

Para Carlos, isso se tornou mais claro quando os relacionamentos começaram a se desgastar sem motivo aparente. “Sei que, por mais que eu me esforce, fica sempre uma diferença”, comenta. E o tempo não ajudou. Quando ele finalmente encontrou uma parceira que o incentivou a retomar os estudos, já estavam nos seus quarenta. Filho? Era tarde demais.

Esse é o retrato de uma crise de masculinidade que cresce em cada esquina, de norte a sul. Em tempos em que o papel masculino se redefine, muitos homens como Carlos ficam numa espécie de limbo, tentando ser o que a sociedade espera e, ao mesmo tempo, sentindo-se incapazes de alcançar. A educação e o trabalho que, antes, definiam o homem de sucesso, agora são incertezas. Para os homens que, como ele, ficaram no meio do caminho entre o sonho e a realidade, o desejo de formar uma família esbarra em exigências que eles nunca aprenderam a atender.

E aí está o dilema do homem brasileiro do século 21: o que é ser pai quando a vida não facilita o caminho? A “infertilidade social” se transforma numa questão que atravessa os limites do íntimo e do social, tocando em questões de classe e oportunidades. Carlos olha para trás, vê as escolhas que a vida lhe impôs e fica com um gosto amargo. Talvez ele encontre consolo no trabalho, ou nas palavras que compartilha com amigos, mas o eco de um futuro que nunca chegou continua ali, como uma ferida que ninguém vê. E ele, como tantos outros, aprende a conviver com o silêncio dessa ausência.

João Guató

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