A Bomba e o Silêncio

Na manhã da última quarta-feira, a Polícia Federal recebeu um depoimento que parecia ter saído de um conto de mistério, mas, em seu fundo, revelava a dura realidade de um país dividido e em crise. A ex-mulher de Francisco Wanderley Luiz, autor do ataque à bomba na Praça dos Três Poderes, contou, com uma calma que só a dor de uma vida devastada pode produzir, que o homem com quem um dia compartilhou planos e sonhos tinha um objetivo claro: matar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

A frase ecoou no salão da PF como o estampido de um fuzil. As motivações de Francisco, até então um mistério envolto em suposições, ganhavam, finalmente, uma explicação. A mulher, agora distanciada de um homem que ela jurara conhecer, falou sobre ele com uma melancolia quase imperceptível, mas cheia de verdade. Ele, que um dia compartilhara com ela risos e expectativas, se tornara um estranho. Um estranho capaz de atos impensáveis, movido por uma ideologia radical, alimentada por um ódio que parecia crescer dentro dele como uma planta venenosa.

O homem que ela descrevia não era o Francisco dos primeiros tempos, aquele que, talvez, até tivesse sentimentos de justiça ou de amor pela democracia. Mas esse Francisco estava imerso na crença de que, para restaurar a ordem, seria necessário destruir, sem piedade, os pilares que sustentavam a própria ideia de convivência pacífica entre os diferentes. E o alvo de sua fúria, segundo a ex-mulher, não era apenas uma questão de política ou de poder. Era uma questão pessoal.

“Ele dizia que Alexandre de Moraes era o responsável por todos os males que aconteciam no país”, contou ela, sua voz quebrando um pouco ao mencionar o nome do ministro. “E que só poderia haver paz novamente quando a ‘culpa’ fosse retirada da equação.”

Paz. Uma palavra tão distorcida nas bocas de homens como Francisco Wanderley Luiz. Ele acreditava que sua paz só viria pelo silêncio imposto ao outro, pela eliminação do que ele via como ‘inimigo’. E, no caso, o “inimigo” era aquele que, com a caneta, decidia o destino de uma nação. Alexandre de Moraes, um nome que para muitos se tornava sinônimo de firmeza, para outros virava o alvo de um ódio cego, alimentado por narrativas cada vez mais inflamadas.

A bomba que Francisco tentou detonar na Praça dos Três Poderes não era apenas uma tentativa de assassinato. Era a tentativa de silenciar o que ele via como a última voz de uma democracia corrompida. A Praça dos Três Poderes, onde os destinos do país são decididos, se tornou o palco para o confronto de ideias que não se encontram mais no debate, mas na violência.

A ex-mulher, em seu depoimento, não expressou raiva, mas uma espécie de incredulidade. Como alguém tão próximo, tão conhecido, pôde se perder de tal forma? Como um ser humano pode se deixar consumir por uma ideologia a ponto de colocar em risco não apenas sua própria vida, mas a de outros?

Talvez a resposta esteja no vazio. O vazio que leva à radicalização, ao isolamento, à crença de que, ao destruir o outro, finalmente se encontrará a paz que se perdeu ao longo de uma jornada de frustração e desilusão.

Mas, na verdade, o que resta após um ataque como aquele não é a paz. O que sobra é o eco dos gritos que jamais foram ouvidos, as perguntas sem resposta e o medo que se instala, não apenas nas vítimas, mas em todos que compartilham do espaço comum. A bomba, afinal, não destrói apenas o alvo, mas também fragmenta, um pouco mais, a ideia de um país unido, de um projeto de nação que ainda tenta se reconstruir.

Hoje, mais do que nunca nos obriga a refletir: quantos Francisco Wanderley Luiz ainda andam entre nós, em silêncio, aguardando o momento em que acharão que a única saída é o estrondo? E, talvez, a pergunta mais difícil: quantos de nós, em nossa própria indiferença, alimentamos, mesmo sem perceber, essas bombas silenciosas que podem, um dia, explodir em nossos rostos?

João Guató

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