Militares, Conspirações, Corrupção e o Judiciário

Os militares têm uma fascinante — e perturbadora — relação com as teorias de conspiração. É quase como se uma necessidade psicológica de se ver como os defensores de uma nação sitiada pelo mal estivesse gravada em seu DNA. Essa paranoia é, ao mesmo tempo, combustível para manter a ordem (ou, como gostam de dizer, “restaurar a ordem”) e uma justificativa para a prática de ações políticas extremamente duvidosas. O problema é que essa mesma mentalidade paranoica também se mistura com uma voracidade insaciável por corrupção, formando um perfil psicopático no exercício do poder que, inexplicavelmente, raramente é chamado a prestar contas.

Vamos começar pela parte das conspirações. Durante e após o regime militar, nos anos de 1964 a 1985, nunca houve uma limpeza real de práticas ilícitas envolvendo militares. O histórico de corrupção dos militares é extenso, e nem os mais brilhantes críticos conseguem se cansar de repetir os casos de pilhagem. Desde as obscuras contratações milionárias de empresas de fachada, passando pela venda de armas e equipamentos militares com preços inflacionados, até os contratos para obras públicas superfaturadas, tudo foi se acumulando sob um manto de silêncio e impunidade.

O que mais chama atenção é que, mesmo com provas robustas, documentos, delações e até mesmo ordens que deveriam ter sido cumpridas, muitos desses processos simplesmente não avançaram, ou pior, nunca chegaram sequer ao tribunal. É como se, ao tocar nos militares, o Judiciário se transformasse em um campo minado, repleto de armadilhas legais e políticas. Um exemplo claro é o caso do esquema de corrupção envolvendo a construção do Complexo da Base de Alcântara, no Maranhão, onde milhões de dólares foram gastos sem justificativa alguma. Ou então a negociação obscura dos caças Gripen, que resultaram em preços exorbitantes e suspeitas de suborno. Ambos os casos, apesar de fartamente documentados, nunca foram a julgamento.

E quando tentamos abrir esses processos, encontramos um muro de resistência monumental. Os militares ainda gozam de grande influência política, seja por meio de cargos em empresas estatais, seja através de membros da reserva que ocupam postos estratégicos na administração pública. Isso sem falar nos tribunais militares, que muitas vezes são usados como última trincheira para proteger seus membros de investigações sérias. Não é à toa que, quando surgem denúncias de corrupção envolvendo militares, é comum ver uma rápida troca de informações, um “aperto de mãos” aqui, uma “ajuda de custo” ali, e tudo simplesmente desaparece no ar.

Além disso, a própria Comissão Nacional da Verdade foi incapaz de lidar com esses casos. Criada para investigar violações de direitos humanos e outras práticas ilícitas do regime militar, a Comissão se deparou com uma enormidade de processos de corrupção que, aparentemente, nunca poderiam ser levados a sério. Militares de alta patente, que tinham acesso a recursos bilionários, conseguiram engavetar muitas dessas investigações sem nunca enfrentar uma condenação.

Esse fenômeno é quase cômico de tão absurdo. Enquanto se exige justiça para alguns, há uma espécie de imunidade silenciosa para os militares. A teoria de conspiração — que insiste em vê-los sempre como os defensores de uma ordem ameaçada — termina por fornecer a justificativa perfeita para fechar os olhos para a corrupção, para os desvios, para os crimes. É como se, ao indiciar um militar, fosse necessário reescrever a própria história do Brasil, admitir que o poder militar não é tão incorruptível quanto dizem, e que o regime, de fato, cometeu excessos. 

A corrupção colossal que nunca foi a julgamento é apenas mais uma prova de que, enquanto os militares mantiverem essa visão distorcida de si mesmos, enquanto as teorias de conspiração forem uma parte intrínseca de sua identidade, o Brasil continuará a lidar com uma impunidade chocante. É uma vergonha que o Judiciário brasileiro, em alguns casos, ainda não tenha conseguido quebrar esse ciclo vicioso de cobertura e leniência.

João Guató

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