Quando os Militares Viram Alvo da Lei

Ah, o Brasil! Esse país de tantas reviravoltas, onde o golpe parece uma canção antiga, mas que, de tanto ser repetida, já soa como desafinação. Nas páginas da história, desde a República Velha até os tempos mais recentes, o militarismo se impôs de forma incisiva, não raro com tanques e fuzis, e, claro, com o peso de um indiciamento que nunca vinha. Mas, e se a pergunta for: quantas vezes os militares foram realmente indiciados por golpear o país?

A resposta é uma mistura de cifras e silêncios. O mais emblemático deles, sem dúvida, é o de 1964, quando, após um golpe de estado que destituiu João Goulart da presidência, o país entrou numa espiral de repressão que perduraria por duas décadas. Até hoje, a transição democrática tem dificuldade em digerir o que realmente aconteceu naquele período. No entanto, quando se fala em indiciamentos, o cenário é mais nebuloso.

Após a redemocratização, no final da década de 1980, alguns militares envolvidos nos golpes foram indiciados, mas a maioria das investigações foi mais simbólica do que punitiva. A Comissão Nacional da Verdade, criada em 2011, tentou dar um passo em direção à justiça histórica, mas seus esforços ficaram limitados pelas várias barreiras legais e pela resistência de setores das Forças Armadas. Nos poucos casos em que houve indiciamento, como o do coronel Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODI, as reações foram intensas: aplausos de uns, vaias de outros. Para muitos, Ustra simbolizava uma parte do regime que ainda se recusa a ceder.

No entanto, esses indiciamentos nunca se converteram em punições concretas, ou, no máximo, resultaram em processos que não chegaram a julgamento. As figuras que protagonizaram os momentos mais dramáticos dos golpes no Brasil – figuras que não hesitaram em usar a força para subverter a ordem constitucional – continuam, em sua maioria, livres, celebradas por uns e ocultas por outros. A amnésia histórica é a verdadeira vencedora nesse campo.

Talvez, no fundo, o indiciamento mais difícil de ser feito seja o coletivo, porque ele envolve admitir que o Brasil, em diferentes momentos da história, permitiu que a política da farda fosse mais forte do que a política das urnas. E, em muitos aspectos, parece que a sociedade tem dificuldade em nomear os responsáveis por essa infâmia. Como se o simples ato de indiciar alguém por golpe fosse acionar um gatilho que não queremos disparar.

O golpe de 1964 foi um divisor de águas, mas os golpes seguintes – mais sutis, talvez, mais camuflados – continuaram a existir. É um Brasil de eterno recomeço, onde a cada novo golpe parece que o país ainda não se deu conta de que precisa julgar, verdadeiramente, seu passado. Talvez o primeiro indiciamento, e o mais difícil de todos, seja esse: entender que os militares não podem mais se esconder nas sombras da história. Afinal, por mais que o Brasil insista em fingir que essa é uma música velha, a verdade é que ela ainda toca no fundo de muitos corações. E quem sabe, na próxima vez que um golpe ameaçar, o indiciamento não seja o primeiro acorde.

João Guató

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