As Línguas de Jesus: Três Mundos em Uma Voz
Se Jesus de Nazaré entrasse numa conversa hoje, não falaria latim como os romanos, nem aquele hebraico rebuscado dos doutores da Lei. Ele falaria aramaico, a língua dos pescadores, dos pastores, dos artesãos da Galileia. Uma língua simples, cotidiana, marcada pela poeira das estradas e pelos encontros à beira do lago.
Mas a história de Jesus — e sua mensagem — não ficou limitada ao aramaico. Ele navegou entre outras línguas: o hebraico, língua sagrada da tradição judaica, e o grego, o idioma cosmopolita que ligava culturas e povos no vasto Império Romano. Cada uma dessas línguas carrega uma identidade, uma cultura, e revela um pedaço do mundo em que Jesus viveu.
Aramaico: A Voz do Povo
O aramaico era a língua materna de Jesus. Não era a língua dos reis, nem dos filósofos, mas a língua dos humildes. Era o idioma falado em Nazaré, nas vilas e aldeias da Galileia, onde ele cresceu.
Cultura e Identidade
O aramaico representava a cultura da proximidade, da oralidade. Era uma língua que não precisava de formalidades para tocar o coração.
Quando Jesus disse: “Abbá” (Pai), ele usou o aramaico. Um termo íntimo, familiar, algo como “papai”.
Quando curava, consolava ou desafiava, ele falava em aramaico.
Foi em aramaico que, na cruz, ele gritou: “Eloí, Eloí, lama sabactani?” (“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”).
O aramaico é uma língua que carrega a dor e a esperança do povo que viveu sob ocupação, que conhecia a fome, a injustiça, mas que mantinha viva a expectativa de um Reino diferente.
O Evangelho no Aramaico
O aramaico de Jesus é um idioma que convida: não ao debate teológico, mas à experiência direta com Deus. É uma língua que não explica; revela. Não elabora conceitos, mas aproxima o céu e a terra.
Hebraico: A Voz da Tradição
O hebraico era a língua da religião oficial, das Escrituras Sagradas, da Torá. Na época de Jesus, não era mais a língua falada no cotidiano, mas a língua sagrada usada nas sinagogas e no Templo de Jerusalém.
Cultura e Identidade
O hebraico representava a cultura da tradição, da autoridade religiosa. Era a língua dos fariseus, dos saduceus, dos escribas que ensinavam a Lei.
- Quando um mestre da Lei se levantava na sinagoga, ele lia em hebraico.
- Quando um sacerdote oferecia sacrifícios no Templo, ele orava em hebraico.
O hebraico era uma língua que carregava a herança do povo judeu, sua história com Deus, suas leis e promessas. Mas, para muitos, era também uma língua distante, associada à elite religiosa, inacessível ao povo comum.
Jesus e o Hebraico
Jesus conhecia o hebraico. Ele leu o rolo de Isaías na sinagoga de Nazaré, proclamando: “O Espírito do Senhor está sobre mim”. Mas ele não se prendeu ao hebraico. Ele traduziu a mensagem divina para o aramaico, para que todos pudessem compreender.
Enquanto o hebraico mantinha a distância do sagrado, Jesus, em aramaico, aproximava Deus das pessoas. O hebraico dizia: “Deus está no Templo.” Jesus, em aramaico, dizia: “Deus está entre vocês.”
Grego: A Voz do Mundo
O grego era o idioma da cultura helenística, da filosofia, da ciência, da literatura. Era a língua da cosmópolis, falada em toda a extensão do Império Romano.
Cultura e Identidade
O grego representava a cultura da razão, do cosmopolitismo, da universalidade.
- Era a língua de Platão, Aristóteles e Homero.
- A língua que conectava Jerusalém, Roma, Atenas e Alexandria.
- O idioma do comércio, da administração, da política.
Para muitos judeus, especialmente os mais ortodoxos, o grego representava uma ameaça à identidade religiosa. Era a língua dos estrangeiros, dos dominadores.
Jesus e o Grego
Jesus provavelmente compreendia o grego, mas sua missão era dirigida principalmente aos judeus. Ainda assim, sua mensagem, transmitida em aramaico, rompeu as barreiras linguísticas.
Após sua morte, foram os apóstolos, como Paulo, que levaram o Evangelho ao mundo greco-romano, traduzindo as palavras de Jesus para o grego. O Novo Testamento foi escrito em grego, tornando a mensagem de Jesus universal.
No grego, o Evangelho encontrou novos significados:
- Ágape (amor incondicional).
- Logos (palavra, razão divina).
- Koinonia (comunhão).
Enquanto o aramaico aproximava Deus do povo, o grego expandiu essa proximidade para o mundo inteiro.
Três Línguas, Um Evangelho
Jesus viveu no encontro dessas três línguas:
- O aramaico da simplicidade e da proximidade com o povo.
- O hebraico da tradição e da identidade religiosa.
- O grego da universalidade e do diálogo com outras culturas.
Cada uma dessas línguas revela um aspecto de sua identidade e missão:
- No aramaico, ele foi o Mestre que acolhe.
- No hebraico, ele foi o Profeta que desafia a tradição.
- No grego, ele se tornou o Logos — a Palavra que conecta o céu e a terra, o Oriente e o Ocidente, o divino e o humano.
A Voz que Ecoa
Hoje, o desafio é o mesmo: traduzir o Evangelho de Jesus para as línguas que falamos e compreendemos. Porque, no fundo, Jesus continua sendo aquele que fala a língua do povo, que quebra as barreiras do sagrado distante e traz Deus para o cotidiano.
E talvez, se ouvíssemos atentamente, ainda pudéssemos ouvir sua voz em aramaico, sussurrando:
“Talitha cumi.”
“Levanta-te.”
Porque a mensagem, independentemente da língua, é sempre a mesma: Deus está próximo. E o Reino já começou.