Geografia das Formas
O sol estava escondido entre as nuvens, tímido, como se quisesse observar de longe a cena que se passava na sala de aula da escola da Dona Tereza, no fim da rua de terra. Era um daqueles dias que João Carlos Gomes gostava mais, quando o vento parecia desenhar mapas invisíveis no ar e o tempo, às vezes, parava para escutar as histórias que se formavam no pensamento dos alunos.
Naquela manhã, o professor João Carlos preparava um jogo especial, algo que ele inventava todos os anos, uma forma nova de ensinar a Geografia. Era como se ele fizesse com que os mapas de sua cabeça se soltassem, flutuassem até o quadro negro e caíssem em pedaços no chão, prontos para serem montados novamente, mas de uma maneira bem diferente. Não era apenas o papel, nem os rios desenhados. Era a visão do mundo, que ele queria que as alunas Angela e Neiliane soubessem como tocar e organizar, como se fossem pequenas arquitectas do espaço, criando ruas invisíveis com o movimento de seus pés.
“Hoje vamos brincar de entender o espaço, meninas”, disse João Carlos, sorrindo. “Mas não é esse espaço que a gente vê só de olhar. Vamos falar do outro espaço, o que mora dentro da gente, o espaço que a gente sente quando olha para o lado e vê que está no meio da sala. Vamos entender onde estamos. Vamos aprender a nos localizar no mundo de dentro e de fora.”
Angela olhou para Neiliane, e as duas riram sem entender muito bem o que o professor queria dizer, mas sabiam que ele tinha sempre uma explicação que vinha de repente, como um relâmpago.
João Carlos indicou para o centro da sala, onde estava desenhado no chão um grande quadrado, uma espécie de mapa imaginário, feito de fita crepe. Ele pediu que Angela ficasse na frente e Neiliane atrás. O quadrado, aquele simples desenho, era o ponto de partida para algo grandioso. A sala de aula parecia ter se transformado em um pequeno universo, onde as referências eram outras. A professora ali não era só João Carlos, mas alguém que conhecia o segredo das direções.
“Agora, Angela, me diga onde está Neiliane. Qual é o lugar dela em relação a você?” O desafio era simples, mas imenso. Angela olhou para a amiga, viu-a atrás de si, e disse, com a voz hesitante, “Ela está atrás de mim, professor.”
“Exatamente! Agora, Neiliane, onde está Angela?” Neiliane sorriu, não sem antes entender que, ao virar os olhos para frente, a menina à sua frente ganhava uma nova posição. “Ela está na minha frente, professor.”
“Vamos mais além”, disse João Carlos, com o brilho nos olhos, como quem sabia que o pensamento delas acabara de dar um passo no caminho da descoberta. “Neiliane, você pode se mover para a direita de Angela?”
Neiliane fez o movimento, e, ao dar um passo, percebeu que sua posição alterava toda a construção do espaço. Era como se os quadrados invisíveis da sala fizessem novas linhas e ela já estivesse navegando por elas, como uma exploradora de novas terras. Angela, que observava, fez o mesmo e viu o lugar onde estava, agora, mais claro, mais definido. O conceito de “direita” e “esquerda” não estava mais apenas no livro, mas dançava entre elas, no espaço real da sala.
O professor João Carlos, então, guiou as alunas pela escola, passo a passo, com o mesmo jogo: a cada novo lugar, as direções mudavam, mas o princípio era sempre o mesmo: frente e atrás, dentro e fora, em cima e embaixo. Eles não estavam mais apenas dentro da escola, estavam vivendo a escola, posicionando-se e reorganizando os espaços como quem constrói um novo mapa no próprio corpo. Como se, ao aprenderem a representar as direções e as posições, elas também estivessem descobrindo os caminhos dentro delas mesmas.
“Viram?” João Carlos disse, com um sorriso tranquilo, enquanto as meninas começavam a compreender a magia do que acabavam de viver. “O que antes parecia um jogo simples de palavras, agora é um mapa, um sistema de orientação para tudo o que nos cerca. A Geografia não está apenas nos mapas, ela está no que vemos e sentimos a cada passo. Cada um de vocês é um ponto no mundo, e com a ajuda do pensamento espacial, podemos nos guiar. Assim, nos localizamos no tempo e no espaço.”
Angela e Neiliane, agora, olhavam a sala, os corredores, o pátio da escola, tudo com olhos novos. Não era mais apenas um lugar. Era um espaço cheio de formas, um espaço cheio de possibilidades, que elas agora podiam tocar e organizar, com a precisão de quem sabe que não há caminho certo ou errado, apenas o caminho que se constrói com o movimento e o pensamento.
E o professor João Carlos, como sempre, seguiu com seu sorriso. Ele sabia que a verdadeira geografia não era apenas sobre o espaço que se vê, mas sobre o espaço que se sente, se pensa, se cria.