O Destino dos Bobos
No bar da esquina, entre um gole de café morno e um pão de queijo já meio frio, Seu Antônio, velho operário aposentado, escuta uma conversa que lhe causa certo desconforto. Na mesa ao lado, dois jovens universitários, cheios de certezas e palavras difíceis, debatem sobre “fascismo” e “trabalho”. Coisas que ele conhece bem, mas nunca precisou colocar nesses termos.
— O problema do fascismo é a violência contra as liberdades — diz um.
— Mas o fascismo também está na exploração do trabalho! — rebate o outro.
Seu Antônio ajeita o boné surrado, respira fundo e pensa: “Será que eles sabem mesmo do que estão falando?”
Fascismo e Trabalho: Um Casamento por Conveniência
A frase de Ailton Krenak, aquela que fala sobre a cumplicidade entre o fascismo e o trabalhismo, volta à mente de Seu Antônio como um assobio antigo:
“Não dá pra ouvir uma frase fascista e outra trabalhista sem perceber a cumplicidade ideológica que elas implicam.”
Cumplicidade. A palavra é pesada, mas certeira. No fundo, o mundo do trabalho sempre esteve de braços dados com o controle, com a ordem, com a disciplina. E o fascismo? Ah, esse se alimenta de tudo isso. Porque quem controla corpos também controla mentes.
Seu Antônio lembra dos anos que passou na fábrica, onde o relógio era o patrão mais implacável. Ali, todo mundo tinha um destino traçado: trabalhar, produzir, e, se sobrasse tempo, viver.
— O mundo do trabalho acha que os pobres têm um destino: ser pobre. É por isso que ele se chama mundo do trabalho — a frase de Krenak ecoa novamente.
O Trabalho como Destino
No fundo, o mundo do trabalho nunca prometeu nada além de mais trabalho. “Esforce-se, estude, faça hora extra, quem sabe você sobe na vida.” Mas Seu Antônio sabe bem que a escada social é uma ilusão. Subir um degrau não significa sair do jogo; significa apenas carregar um fardo um pouco mais pesado, enquanto o destino final continua o mesmo: ser pobre.
— Você nasceu para isso, para trabalhar — diziam os chefes, os políticos, os patrões invisíveis.
E ele acreditou por muito tempo. Acreditou porque ensinaram que o trabalho dignifica, que ser pobre era parte do contrato com a vida. Só não contaram que dignidade não paga as contas nem alimenta os sonhos.
Entre Bobos e Libertos
Na mesa ao lado, os jovens continuam falando. Citam pensadores estrangeiros, fazem críticas “decoloniais” e concluem que a solução está em transformar o sistema por dentro. Seu Antônio não ri, mas por dentro a ironia ressoa. “Transformar por dentro? Como, se o próprio sistema é feito para não ser transformado?”
Krenak tinha razão: repetir os refrões acadêmicos é imitar a fala do dono. É se prender ao mesmo destino que o sistema quer para todos — ser um bobo que acha que pensa livremente enquanto repete as ideias que lhe deram.
O velho operário se levanta, paga o café, e, antes de sair, murmura para si mesmo:
— O mundo do trabalho? Esse não é meu mundo. Meu mundo é viver, e viver não tem destino traçado.
E vai embora, com passos lentos, mas livres. Porque, no fim das contas, ser livre não é só trabalhar menos — é pensar além das grades invisíveis que o mundo do trabalho tenta impor.