A coragem de pensar: Krenak e a inauguração da cátedra Darcy Ribeiro
No último dia 2 de dezembro de 2024, Ailton Krenak, um dos pensadores mais importantes do Brasil, subiu ao palco da UFMG para uma das conferências de inauguração da cátedra Darcy Ribeiro. O evento foi, sem dúvida, um marco na história da universidade e da reflexão sobre o Brasil, mas o que se ouviu naquele dia não foi apenas uma palestra acadêmica. Foi uma convocação à coragem de pensar, à ousadia de se desvencilhar das correntes invisíveis do colonialismo.
A cátedra Darcy Ribeiro é mais do que uma homenagem a um dos maiores intelectuais brasileiros. Ela carrega, por si só, a proposta de um pensamento que não se curva às regras coloniais e aos caminhos impostos por séculos de dominação. Darcy Ribeiro, para Krenak, era justamente um desses pensadores que não se intimidavam pela “arrogância do pensamento colonial”. Ao contrário, ele ousava construir ideias próprias, mesmo diante das imposições do cânone eurocêntrico.
Ao lembrar a obra de Darcy, Krenak disse algo profundo: o intelectual que se atreve a pensar, mesmo arriscando erros, é um exemplo de coragem. Ele não se atinha ao medo de errar, mas à necessidade de inventar um novo olhar sobre o mundo. E é essa coragem que Krenak propôs como uma bandeira a ser levantada, não apenas contra a academia tradicional, mas contra uma narrativa que silenciou os povos originários por séculos.
O pensador indígena não se contentou com uma crítica simples ao colonialismo. Ele foi claro ao afirmar: “não temos de fazer crítica decolonial, e sim, contracolonial”. Essa frase encapsula a essência de sua intervenção: o que está em jogo não é apenas analisar ou contestar o colonialismo de maneira teórica, mas tomar uma atitude ativa, contra-atacar as narrativas que continuam a submeter as populações indígenas, africanas e latino-americanas a uma visão de mundo imposta. O contraponto, portanto, é mais do que uma crítica, é um movimento de reconstrução, de resgatar o poder de pensar de maneira autônoma.
Para Krenak, a presença dos povos indígenas na história não pode mais ser vista sob a ótica da “beneficência” do colonizador. A ideia de que os povos originários foram “civilizados” pela presença colonial é uma das maiores mentiras da historiografia oficial. Ele lembra que, até o século XIX, essa narrativa era a única disponível, e que Darcy, ao falar de “povos-testemunhos”, foi um dos primeiros a desafiar essa visão monolítica da história. Para Krenak, isso não é apenas uma questão de descolonizar a história, mas de reescrever o futuro a partir de outras perspectivas, as que nunca foram ouvidas, ou que foram sistematicamente silenciadas.
“Darcy Ribeiro se sentiu em casa com os povos indígenas”, disse Krenak, e essa frase não é apenas uma referência à proximidade entre o antropólogo e as culturas indígenas, mas à ideia de pertencimento que transcende as fronteiras da academia e da política. Para Krenak, a figura de Darcy representa essa possibilidade de acolher o outro, de dialogar sem imposições, sem a arrogância que sempre procurou silenciar vozes não europeias.
Em sua fala, Krenak não se limitou a recordar o legado de Darcy Ribeiro. Ele também convidou os presentes a refletirem sobre a responsabilidade que todos têm de continuar essa luta. A criação da cátedra não é um fim, mas o início de um caminho que, como Darcy, deve ser marcado pela coragem de pensar e, acima de tudo, pela coragem de agir. O convite é claro: quem se dispõe a questionar as fundações da história e a imaginar um futuro que respeite todas as culturas, todas as vozes, sem a imposição de um único olhar?
Krenak deixou no ar a ideia de que a verdadeira revolução está no pensamento autêntico, livre das amarras de um passado colonial que ainda nos assombra. A cátedra Darcy Ribeiro, com sua inauguração e a presença de Krenak, não é apenas uma homenagem a um grande pensador, mas uma convocação para que todos se unam à tarefa de pensar um Brasil e um mundo verdadeiramente plurais. Em tempos onde o pensamento colonizador ainda ressurge com força, talvez a maior lição de Darcy e Krenak seja justamente esta: ousar pensar com liberdade e sem medo de errar.