O Mestre Jangadeiro

Há um tempo na vida em que o professor é um rio. Ele já sabe onde os peixes se escondem, conhece o cheiro da água barrenta antes de chover e decora o canto das arapongas que anunciam a hora da sombra boa. Seus alunos chegam com redes e caniços, e ele ensina a fisgar pacus e piauçus. Explica a curva do rio, o segredo do remanso e até o silêncio que espanta o peixe. Esse é o tempo do saber sedimentado, onde tudo é chão firme e palavras decoradas de certeza. 

Mas o rio, vez ou outra, sonha ser mar. E, um dia, aparece um aluno que chega com olhos que brilham como se guardassem horizontes inteiros. 

– Mestre, quero pescar naquele azul infinito. 

O professor coça a barba, olhando para o mapa na parede. No mapa há continentes conhecidos, linhas rabiscadas com a tinta da experiência. Mas o tal mar, que o aluno aponta, é uma página branca. 

– Não sei desse mar – confessa o mestre, com a voz que carrega humildade. – Mas posso lhe ensinar a fazer velas que domem os ventos. 

Assim, o professor vira jangadeiro. Já não oferece peixes prontos; agora ensina o como. Mostra a costura da vela, o nó certo na corda e a paciência para esperar os ventos. Ensinam-se mutuamente: o mestre o que sabe, o aluno o que sonha. Nesse tempo de pesquisa, o mestre navega sem mapa, confiando no zumbido da bússola interior que ainda aprende a ouvir. 

Até que, no terceiro tempo, o professor descobre que não é nem rio nem jangadeiro. Ele vira terra fértil – chão que aceita sementes. Seus alunos, agora semeadores, chegam com perguntas que têm asas. 

– Mestre, como plantar sonhos que nascem em galhos tão altos? 

E ele sorri. Não responde. Aprendeu a gostar de silêncio. Percebe que o ensinar não é preencher o vazio, mas fertilizá-lo. Com o tempo, aprendeu a desaprender, e no desaprender ganhou sabedoria – essa que ilumina o instante em que o dia e a noite se beijam. 

Agora, ao ver o aluno subir a árvore e alcançar o fruto, o mestre apenas contempla. Não há orgulho, só gratidão. Ele já não ensina para ser lembrado, mas para desaparecer nos frutos que virão. E assim o ciclo se renova: o rio vira mar, o mar vira terra, e a terra vira sementes. O professor, enfim, entende que educar é abrir janelas para o que ainda não se viu – e talvez nem se veja. 

E assim segue o ciclo. Onde termina um saber, começa o outro. Onde termina o professor, floresce o aluno. E, no fundo, tudo é recomeço.

João Guató

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