A Lavanca de Ouro da Igreja de São Benedito
Lá, onde o sol das tardes amareladas de Cuiabá aquece a alma do povo e o tempo parece dissolver-se nas águas lentas do Prainha, uma história de ouro e morte continua a ser sussurrada entre as vielas de pedra e os canteiros floridos. Fala-se da alavanca de ouro, um pedaço de história perdido nas entranhas de um chão onde os deuses do metal pesado, como um dia acreditaram os homens, se escondem nas dobras da terra.
No começo dos anos 1720, quando a febre do ouro já rasgava as serranias e os rios do Mato Grosso, um garimpeiro, desses homens sem nome e sem futuro, cruzava o sertão de sol quente à procura de riquezas. Ele não sabia, mas estava à beira de encontrar o que muitos buscavam, mas poucos conseguiam. Foi ali, nas cercanias do que hoje é a avenida Coronel Escolástico, perto das nascentes do córrego da Prainha, que o homem viu, no chão, algo que o fez parar a passos largos.
Era uma alavanca de ouro, brilhando no chão como um raio de sol nas primeiras horas da manhã. Dizia-se que o garimpeiro, sem hesitar, agarrou o pedaço de metal com mãos trêmulas, surpresas pelo que seus olhos viam. Mas no momento em que a alavanca tocou suas mãos, algo se quebrou no silêncio daquelas horas. Ela escapou de seus dedos e caiu de ponta, como se a própria terra a esperasse para engolir seu brilho.
Desesperado, ele tentou puxá-la, mas o chão parecia engolir o ouro com uma força invisível. A alavanca, mais que um objeto precioso, se tornava um mistério sem solução. E, como em todos os bons contos de nossa terra, a história não parou por ali. Ao invés de desistir, o garimpeiro, como todo bom homem obstinado e desconfiado de sua sorte, começou a escavar freneticamente o local onde o ouro tinha se perdido. A escavação foi lenta e difícil, mas ele não parava. Cada noite que passava, a terra o consumia mais e mais, como se a terra soubesse que aquele pedaço de metal não pertencia a ela.
E foi assim, em um ímpeto de cega esperança, que o garimpeiro cavou até que a terra cedeu e um barranco se formou, sem avisos, sem promessas. A terra desabou sobre ele, selando o destino do homem que ousou desafiar as forças do chão. Não se soube de sua alma, mas souberam todos, depois, do preço pago pela ganância.
Os fiéis da Igreja de São Benedito, que naquela época ainda não tinha o porte de igreja, mas já era um ponto de fervor e de oração, passaram a contar que o ouro, perdido entre as raízes das árvores e os barrancos, nunca mais foi encontrado. E ali, na capela, onde os ecos da oração se misturavam ao silêncio da cidade nascendo, dizia-se que a alavanca ainda repousava, guardada pela própria terra, como um segredo sagrado.
A história da alavanca de ouro, contada por uns, desconstruída por outros, passou a ser lenda. Não só pela riqueza que ela representava, mas pelo aviso contido em sua perda. O ouro que o garimpeiro buscava não era seu, e o destino cruel foi o guardião de um tesouro que nem ele, nem os homens poderiam possuir. A terra se fechou sobre ele, como se quisesse dizer: há coisas que o homem não deve tentar arrancar do fundo da sua própria vida.
E assim, entre o relato do cronista José Barbosa de Sá e os depoimentos dos antigos fiéis da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, a história se perpetuou, guardada por muito mais que as paredes da capela. Fala-se dela em segredo, com a reverência de quem sabe que um tesouro nunca é encontrado sem um preço alto a pagar.
A alavanca de ouro, com seu brilho amaldiçoado, jamais será vista. Mas a memória do homem que cavou até o fim continua a fazer eco, como as orações que se elevam à luz das velas, na velha capela de São Benedito. E quem sabe, talvez o ouro esteja mesmo ali, onde a história e a terra se encontram, sempre esperando aquele que ainda se arrisca a tentar desenterrá-lo.