O Amor na Fronteira do Cotidiano: A Reflexão de Lula sobre as Amantes e as Esposas

Na quarta-feira, 8 de janeiro, uma frase de Luiz Inácio Lula da Silva gerou ondas de discussão e provocou interpretações variadas. “Pela minha experiência, as amantes são frequentemente mais amadas que as esposas”, afirmou ele, em um momento de descontração. A frase reverberou nos meios de comunicação e nas redes sociais, polarizando opiniões. Para alguns, uma afirmação polêmica e de duvidoso bom gosto; para outros, uma reflexão sobre a natureza das relações humanas e do amor em sua forma mais crua.

Lula, como um homem que viveu tanto nas trincheiras da política quanto nas complexidades da vida pessoal, parece ser um observador atento das dinâmicas de poder, desejo e afeto que marcam os relacionamentos. Ao afirmar que as amantes são muitas vezes mais amadas que as esposas, ele não está fazendo uma defesa da infidelidade, mas nos convidando a refletir sobre o que significa “amar” no contexto de um casamento, e sobre como as exigências da rotina podem transformar o amor em uma relação mais funcional e menos emocional.

Uma Reflexão Necessária

Em primeiro lugar, a frase de Lula nos força a pensar na rotina que permeia muitos casamentos. O casamento, ao longo dos anos, frequentemente se torna um espaço de convivência pautado por responsabilidades cotidianas. O cuidado com a casa, os filhos, as finanças, as tarefas do dia a dia – tudo isso vai pesando sobre a relação. O amor, antes impulsivo e vibrante, vai se transformando em um vínculo construído em torno da necessidade, da conveniência e da convivência. As esposas, muitas vezes, se tornam figuras centrais da vida familiar, cumprindo papéis que vão além do afeto, tornando-se, com o tempo, “gerentes” da vida doméstica.

Nesse contexto, o casamento, ao invés de ser o palco de uma paixão contínua, se torna um cenário em que a emoção é frequentemente suplantada pela razão e pela rotina. E é aqui que, talvez, resida o cerne da reflexão de Lula. Ele não está dizendo que as esposas são menos amadas, mas sim que, em muitos casos, a intensidade do amor tende a ser ofuscada pelas demandas diárias. Quando a paixão se mistura com o cansaço, com o cumprimento das obrigações, o amor pode se tornar um sentimento mais administrativo do que emocional.

O Refúgio do Desejo Puro

Agora, é preciso entender o papel da amante na equação. A amante, ao contrário, surge como a figura do desejo não corrompido. Ela não carrega as mesmas responsabilidades, não enfrenta as mesmas dificuldades que uma esposa, e, por isso, se torna uma espécie de “reflexo” do amor idealizado – aquele amor sem as frustrações do cotidiano, sem as exigências que a convivência prolongada impõe. Na relação extraconjugal, o que há não é a necessidade de construir uma vida juntos, mas a liberdade de viver um amor que se baseia no desejo imediato, sem as amarras da rotina.

Quando Lula diz que as amantes são frequentemente mais amadas, ele aponta para essa liberdade emocional que elas representam. As amantes não têm que lidar com os defeitos do parceiro de uma maneira tão próxima e inevitável quanto uma esposa. Elas podem se permitir o luxo de um amor mais leve, menos cercado de obrigações. O casamento, por sua vez, é mais complexo, mais cheio de tensões, e, com o tempo, isso pode fazer com que o amor se transforme em algo mais fragmentado, mais difícil de manter.

A Dualidade do Amor

A provocação de Lula também toca na dualidade que permeia a vida conjugal. Por um lado, o casamento representa a estabilidade, a continuidade, o compromisso. Por outro, ele pode se tornar uma relação desgastada, onde o desejo vai se tornando uma memória distante, e o que prevalece é o “dever” – o que precisa ser feito para que a vida familiar siga funcionando. Esse desgaste não é necessariamente um reflexo de uma falha no amor, mas da natureza das relações humanas que, ao longo do tempo, se ajustam e se adaptam, e, muitas vezes, se tornam mais pragmáticas.

A amante, por sua vez, surge como uma espécie de antítese da estabilidade. Ela é, por definição, a que vem para quebrar a rotina, para restaurar algo que o casamento perdeu: o brilho do novo, a novidade da paixão que se reinventa a cada encontro. Não se trata de uma questão de “mais ou menos amor”, mas de uma maneira diferente de experienciar o amor, mais próxima do desejo, da surpresa e do imprevisível.

O Amor em Tempos de Espera

Em sua afirmação, Lula pode estar apenas alertando para o fato de que o amor não é algo estático, mas sim um campo em constante transformação. À medida que os anos passam, a rotina toma o lugar da paixão, e a atenção ao parceiro muitas vezes se perde na avalanche de responsabilidades. O amor no casamento, então, precisa ser constantemente reavaliado, renovado, para que não se torne uma obrigação. A amante, nesse cenário, representa o “remédio” temporário para essa perda de intensidade, para o apagamento da chama.

Não se trata de uma apologia ao adultério, mas sim de uma observação da dinâmica entre desejo e obrigação, entre o amor idealizado e o amor vivido. O que Lula sugere, de forma talvez não tão explícita, é que o verdadeiro desafio do casamento está em como manter o desejo vivo, como equilibrar o cotidiano com a emoção, como manter o “encanto” no espaço onde a rotina pode facilmente tomar conta.

Conclusão: A Fragilidade e a Força do Amor

Portanto, a frase de Lula não é uma crítica às esposas, nem uma apologia à infidelidade. Ela é, antes, um convite a refletir sobre o que o amor se torna ao longo do tempo, sobre como ele pode ser diluído pelas demandas do cotidiano, e como, muitas vezes, as relações extraconjugais nos oferecem uma fantasia de liberdade e desejo. Mas, ao mesmo tempo, essa provocação nos lembra que o amor, em sua essência, é algo que precisa ser constantemente cultivado, renovado, reiniciado, para que não se torne apenas uma sombra do que foi um dia.

A amante pode ser mais amada, mas talvez, no fundo, todos nós busquemos, com ou sem amante, a mesma coisa: um amor que não se apague nas margens da rotina, um amor que resista ao desgaste do tempo e que, em sua forma mais pura, nunca deixe de ser desejado.

João Guató

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