A Amante e a Esposa: Um Olhar Teológico sobre o Amor e a Afirmação de Lula

Jesus de Nazaré, sentado à beira de um poço, olhou para uma mulher samaritana. Ela vinha de um passado complicado, com cinco maridos e um presente em que vivia com um homem que não era seu esposo. Ainda assim, Jesus não a condenou. Pelo contrário, ofereceu-lhe água viva, um símbolo de redenção e plenitude. É curioso como essa história, relatada no Evangelho de João, nos ajuda a refletir sobre o amor e a polêmica frase do presidente Lula: “As amantes são mais amadas que as esposas.”

Para muitos, a fala de Lula soou como um desafio à moral cristã. Mas Jesus, que nunca teve medo de confrontar o moralismo vazio, talvez nos convidasse a olhar para além da superfície dessa afirmação. O que está em jogo aqui não é o papel da amante ou da esposa em si, mas a forma como o ser humano ama – ou deixa de amar.

No Evangelho, Jesus deixa claro que o amor humano é imperfeito, marcado por carências e projeções. Quando fala da samaritana, Ele não foca em seus relacionamentos falidos, mas na sede que ela carrega dentro de si. Não é essa a mesma sede que nos faz buscar no outro – seja esposa ou amante – aquilo que acreditamos nos completar?

Lula, ainda que de maneira provocadora, parece ter tocado nessa ferida universal. A amante, como figura proibida, carrega o peso da idealização. Ela não divide a cruz do cotidiano: não está presente nas discussões sobre contas, nos dias de cansaço, nos silêncios desconfortáveis do casamento. Ela é uma metáfora do desejo, algo que nos aponta para o que falta.

A esposa, por outro lado, é a concretude. Ela vive no terreno do “amar ao próximo como a si mesmo” – um mandamento que não se realiza em sonhos, mas na convivência diária, no perdão constante e na aceitação das imperfeições. É fácil amar uma ideia, difícil é amar uma pessoa real. Jesus sabia disso quando lavou os pés dos discípulos, um ato de amor que se dá no serviço, não na fantasia.

Mas o que Jesus diria sobre essa frase de Lula? Talvez Ele nos perguntasse: “O que você busca quando ama?” É a mesma pergunta que fez à samaritana: “Quem bebe desta água terá sede novamente.” O amor humano, quando fundado apenas no desejo ou na idealização, sempre deixará sede. A amante pode ser amada porque ela representa aquilo que não temos, mas só o amor que se dá no chão da realidade – como o da esposa – pode nos levar à plenitude que Jesus ofereceu.

O problema, então, não está na amante ou na esposa, mas no próprio coração humano, que constantemente busca no outro aquilo que só Deus pode preencher. Amar alguém de verdade é, como disse o apóstolo Paulo, “não buscar os próprios interesses, não se irritar facilmente, não guardar rancor.” É um amor que transcende o egoísmo e abraça o outro em sua totalidade, com suas falhas e limitações.

A frase de Lula, vista à luz de Jesus, não é uma exaltação da amante nem uma crítica à esposa. É um diagnóstico da condição humana: amamos mais aquilo que nos ilude do que aquilo que nos desafia. E talvez a resposta esteja no que Cristo nos mostrou: o amor verdadeiro não se encontra na perfeição do outro, mas na capacidade de amar apesar das imperfeições.

Assim como a samaritana encontrou a água viva que saciou sua sede, talvez também seja possível reconciliar a fantasia da amante com a realidade da esposa. Afinal, o amor mais pleno não é aquele que idealiza, mas o que transforma.

João Guató

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