Do Paraíso às Pragas Cotidianas: o poder amante

No Brasil das frases polêmicas, onde a política ganha contornos de novela, o presidente Lula declarou que “as amantes são mais amadas que as esposas”. A declaração, além de incendiar rodas de conversa, parece ressoar com uma verdade amarga sobre as relações humanas: o amor, muitas vezes, é um ato de rebeldia contra a ordem estabelecida.

Rubem Alves já havia feito um diagnóstico contundente sobre o casamento, esse contrato jurídico-social que nos une por uma canga — aquela peça de madeira que junta bois para puxar o mesmo arado, mesmo que ambos prefiram pastar em direções opostas. Para Alves, o casamento não é do paraíso; é fruto da queda, uma tentativa desesperada de impor ordem ao caos imprevisível do amor.

E aqui entra o papa, porta-voz divino, que, entre uma missa e outra, lembrou que o segundo casamento é uma praga. Parece que o primeiro, então, seria o quê? Uma bênção disfarçada de contrato? Não, caro leitor. No paraíso, não havia burocracia amorosa. Adão e Eva não precisaram de testemunhas, nem de contratos assinados com pompa e circunstância. Tudo era fluido, espontâneo, livre.

Mas a liberdade é coisa perigosa. O ser humano, temendo o desamor, inventou o casamento para que o amor não escapasse pela janela. Afinal, o que une marido e mulher, segundo um padre citado por Rubem Alves, não é o amor, mas o contrato: um pacto entre duas partes, testemunhado por padrinhos, para garantir direitos e deveres. Até o ato de amar, no contexto conjugal, transforma-se em obrigação.

Lula, com sua fala provocativa, talvez tenha desnudado algo que a Igreja há tempos tenta esconder sob o manto do sacramento: o amor não suporta grades, nem cangas. Amantes, na visão popular, seriam mais amadas porque vivem fora desse contrato. Estão na margem, livres da rotina, da prestação de contas, do ferrão que cutuca os bois no arado conjugal.

Por outro lado, o papa tem razão em sua lógica divina: admitir o divórcio seria admitir que o sacramento do casamento pode falhar, o que colocaria em xeque a infalibilidade da Igreja. Assim, a instituição prefere manter a canga no pescoço dos fiéis, condenando ao pecado aqueles que ousam trocar o jugo por um novo começo.

No final das contas, tanto o papa quanto Lula concordam em algo essencial, ainda que não admitam: o amor é um ato de rebeldia. Seja entre amantes, seja no rompimento de um casamento, ele desafia regras e contratos. No entanto, o preço da rebeldia é alto. E o paraíso, com sua ausência de casamentos e papeladas, segue sendo apenas uma memória distante.

João Guató

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