A Semente e o Tempo de Pepe Mujica
No coração de Pepe Mujica, sempre bateu o tambor de uma revolução. Não aquela de discursos inflamados em palácios de mármore, mas a que germina no solo duro da realidade, entre os pés descalços e os corações inquietos. Pepe foi, antes de tudo, um semeador. E como todo semeador, sabia que a terra precisa ser virada, a semente lançada e, muitas vezes, defendida de tempestades e pragas.
Nos anos 60, o jovem Mujica era um deles: um tupamaro, desses que não se contentavam em assistir de camarote enquanto a desigualdade corroía a América Latina. Carregava mais do que armas – carregava um sonho, desses que não cabem no bolso, mas inflam o peito. Com seu olhar atento e a lábia de quem conhece o povo, entrava nas fileiras do Movimento de Libertação Nacional com a certeza de que a mudança viria, nem que fosse à força.
A luta, como se sabe, não é gentil. Pepe aprendeu isso cedo, em emboscadas que se transformavam em balas e em prisões que abafavam o som das ideias. Onze anos ele passou encarcerado, o corpo magro e os olhos fundos, mas a mente nunca domada. Não foi fácil. Numa cela tão pequena que mal cabia a dignidade humana, Mujica viu as horas se arrastarem, mas manteve os olhos na linha do horizonte. A revolução, ele sabia, não se faz sem sacrifício.
“Não se muda o mundo carregando rancor no coração”, ele diria anos depois. E talvez seja essa sua maior vitória como revolucionário: transformar o cárcere em aprendizado, a dor em sabedoria. Enquanto outros endureciam, Pepe amolecia, não por fraqueza, mas por humanidade.
Quando a democracia voltou ao Uruguai, Mujica não buscou vingança. Ele buscou caminhos. Trocou o fuzil pela palavra, a trincheira pelo parlamento. A política, para ele, não era o fim de uma luta, mas sua continuidade. Era preciso redistribuir a terra, as oportunidades, os sonhos. Era preciso olhar nos olhos do povo e dizer: “Eu sou um de vocês.”
E foi assim que ele chegou ao poder, guiando o Uruguai como quem guia um barco em águas turbulentas. Nacionalizou recursos, legalizou a maconha, defendeu o casamento igualitário – mas, acima de tudo, fez política com alma. Enquanto os poderosos usavam ternos caros e discursos vazios, Pepe aparecia de sandálias, dirigindo seu velho Fusca. Não era teatro; era coerência.
Sua luta revolucionária, ao final, não foi apenas contra a ditadura ou a desigualdade. Foi contra a indiferença, contra o cansaço de sonhar, contra a ideia de que a política é para poucos. Pepe nunca deixou de ser um tupamaro, mesmo quando trocou as armas pelos abraços. Porque ser revolucionário, ele ensinou, não é destruir; é construir.
Hoje, enquanto se despede deste mundo, Mujica deixa um legado que não cabe em monumentos ou biografias: ele deixa a ideia de que a revolução está nas pequenas coisas, no dia a dia, no amor ao próximo. Ele provou que, mesmo quando as sementes parecem perdidas, o tempo as faz germinar. E, para isso, vale toda a luta.