Pepe na ONU: o orador da simplicidade

Era setembro, e a ONU estava com sua pompa habitual. Os salões decorados com bandeiras de todas as nações abrigavam líderes com ternos impecáveis e discursos alinhavados por consultores de imagem e marketing político. O protocolo era sagrado, mas naquele ano, um velho uruguaio de cabelos grisalhos e voz rouca decidiu subverter o script. Quando Pepe Mujica subiu ao púlpito, não foi apenas o presidente do Uruguai que discursou — foi a humanidade quem falou.

Sem rodeios, sem floreios. Mujica, com seu jeito de quem parece mais à vontade em um campo de girassóis do que sob os holofotes de Nova York, deu um banho de realidade. Ele não trouxe números mirabolantes nem promessas políticas que ninguém lembra dois dias depois. Trouxe algo raro naquele ambiente: verdade.

Ele começou devagar, como quem conversa com os amigos. Lembrou o óbvio que todos preferem ignorar: a lógica do consumo desenfreado que transforma o ser humano em escravo da própria ganância. “Gastamos mais do que temos e desejamos mais do que precisamos”, ele dizia, enquanto os líderes de gravata tentavam esconder o desconforto por trás de pequenos ajustes nos fones de tradução.

Pepe não poupou ninguém. Questionou a economia, o desenvolvimento a qualquer custo e a mania das nações de tratarem progresso como sinônimo de devastação. Seu tom não era de acusação, mas de convite. Um convite para refletir sobre o tempo, essa moeda invisível que trocamos por bens que não precisamos, enquanto as coisas que realmente importam — como uma conversa tranquila ou o cheiro da terra molhada — ficam esquecidas.

Ao final, o silêncio na sala era quase palpável. Não era aquele silêncio constrangedor de quem discorda, mas o silêncio de quem foi atingido por algo profundo. Pepe Mujica não trouxe soluções mágicas, nem receitas de bolo. Mas trouxe uma fagulha. Uma lembrança de que, em meio às ambições desmedidas da geopolítica, ainda há espaço para a simplicidade.

O discurso de Mujica não foi só uma fala. Foi um espelho. E nele, todos vimos refletidas as nossas contradições. O presidente que vivia numa chácara modesta, doando boa parte do salário, lembrou a líderes e cidadãos do mundo que talvez o progresso verdadeiro não esteja nos arranha-céus ou nos PIBs, mas na coragem de ser mais humano.

E quando ele desceu do púlpito, não foram as palmas protocolares que ecoaram. Foi um suspiro coletivo, como quem reconhece que, por alguns minutos, a ONU deixou de ser palco de vaidades e se tornou um lugar onde, finalmente, o óbvio foi dito. E era disso que o mundo precisava.

João Guató

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