A Comunhão Das Coisas
Quando a infância se dava em brincadeiras simples, eu não sabia que estava aprendendo algo que transcenderia os anos. Era o tempo de inventar mundos, de dar vida a objetos inanimados, de transformar o real em pura fantasia. Eu fingia que a pedra era um lagarto, corria com ela entre os dedos como quem carrega um segredo. A lata virava navio, velejando em mares desconhecidos, e o sabugo, que para muitos era apenas uma parte do milho, se tornava um serzinho peculiar, talvez um filhote de gafanhoto, perdido entre os mistérios do quintal.
E era nesse cenário, simples e poderoso, que eu crescia. Brincava no chão, onde as formigas e o vento eram meus companheiros. Não havia divisões entre o que era e o que poderia ser. O chão era minha terra prometida, onde tudo se misturava, onde cada objeto tinha uma alma secreta e todos os seres, humanos ou não, estavam conectados. As coisas não eram comparadas entre si; elas se comunicavam. O que eu sabia, sem saber que sabia, é que existia uma comunhão que ultrapassava a racionalidade. As pedras não eram apenas pedras, as latas não eram apenas latas, o sabugo não era apenas sabugo. Cada uma delas tinha algo a me ensinar, algo de sua essência que se revelava no momento em que eu permitia que o mundo fosse mais do que a aparência.
Esse modo de ver o mundo – sem compartimentos, sem limites – era, na verdade, uma forma profunda de aprendizado. Naquela infância sem pressa de crescer, sem a necessidade de dividir e classificar tudo, eu compreendia que a vida não é sobre comparação, mas sobre comunhão. Cada coisa tinha um significado próprio, único e, ao mesmo tempo, compartilhado com o universo. Eu estava aprendendo, sem saber que estava, a viver com os olhos de quem vê o essencial nas pequenas coisas. Era uma educação silenciosa, onde as lições vinham não dos livros, mas das formigas que marchavam em fila, das árvores que se curvavam com o vento e dos pássaros que cruzavam o céu.
A comunhão com as coisas é um estado que a infância parece naturalmente nos oferecer, e que muitas vezes perdemos com o tempo, quando a necessidade de classificação e comparação nos rouba a beleza da simples percepção. Naquela época, não havia pressa em ser mais ou menos, em ser melhor ou pior, porque não havia o peso das comparações. A vida era vivida na sua essência, e a verdadeira educação estava em saber ver além do que se apresenta à primeira vista.
Hoje, ao olhar para trás, vejo que a verdadeira aprendizagem dessa infância livre foi, na verdade, essa capacidade de perceber que o mundo não é um conjunto de coisas separadas, mas um todo que se interconecta. As pedras, os lagartos, as latas e as formigas – todos tinham algo a me dizer. Eu os ouvia sem juízo, sem a necessidade de defini-los. E, quem sabe, é essa a pedagogia das aprendizagens que falta ao mundo adulto: aprender com as coisas, na simplicidade, na comunhão, sem querer colocá-las em caixas, rotulá-las ou compará-las umas com as outras.
Naqueles dias em que a infância acontecia no chão, entre formigas e brinquedos improvisados, eu já sabia o que muitas vezes nos esquecemos: que é na união com as coisas que realmente aprendemos. E, ao fazê-lo, nos tornamos mais inteiros.