A conta não fecha, mas o mercado aplaude

O Brasil insiste em equilibrar sua economia na corda bamba da austeridade fiscal. De um lado, o discurso oficial promete crescimento e estabilidade; do outro, a realidade revela um país em que os serviços públicos são cortados, os direitos sociais encolhem, e a desigualdade social cresce. Teto de Gastos, Arcabouço Fiscal, Regimes de Recuperação Fiscal: a cada nova fórmula, o Estado aperta o cinto, mas quem sente o sufoco é o povo.

Em nome da “responsabilidade fiscal”, o governo gasta menos com saúde, educação e segurança, mas nunca deixa de pagar a fatura do mercado financeiro. Os bancos sorriem, os investidores aplaudem, e as elites econômicas respiram aliviadas. A classe média aperta os dentes, enquanto os mais pobres, esses nem têm mais cinto para apertar. No Brasil da austeridade, a conta fecha para poucos e sobra para muitos.

Para Marlene Nunes, professora da rede pública estadual, a austeridade não é um conceito abstrato. É o quadro negro desbotado, a merenda insuficiente, o material didático escasso. “No papel, a educação é prioridade, mas na prática, estamos remando com uma canoa furada”, desabafa, enquanto prepara sua aula sobre desigualdade social — tema que os alunos, morenos como ela, conhecem não pelos livros, mas pela vida.

Antônio Rodrigues, técnico de enfermagem em um hospital público, vive uma realidade parecida. O plantão é um caos constante: faltam insumos básicos, pacientes se acumulam nos corredores, e os colegas estão sobrecarregados. Ele já ouviu falar de “ajuste fiscal” nas manchetes dos jornais, mas para ele, é só mais uma forma sofisticada de dizer que o hospital vai continuar operando no limite. “Economizam no que é vital, mas nunca falta verba para pagar os juros da dívida pública”, comenta com ironia amarga.

A lógica da austeridade transforma servidores públicos como Marlene e Antônio em vilões. São pintados como privilegiados, quando, na verdade, são eles que sustentam o funcionamento mínimo de um Estado que encolhe a cada ano. O salário está congelado, mas o custo de vida não para de subir. Enquanto isso, o mercado financeiro celebra cada corte como uma vitória. Banco feliz, povo infeliz.

Mas o impacto da austeridade não se restringe às contas públicas. Ela tem um efeito corrosivo no tecido social. O corte de investimentos em políticas públicas agrava a desigualdade e alimenta a insatisfação popular. Nas periferias das grandes cidades, o discurso de que o Estado não tem dinheiro para investir em creches, escolas ou postos de saúde encontra eco no desamparo cotidiano. A ausência do Estado vira combustível para o crescimento de discursos autoritários.

É nesse vácuo que o neofascismo avança. A extrema direita não precisa oferecer soluções reais — basta capitalizar a indignação, oferecendo ordem e segurança onde o Estado falha. Com promessas fáceis e retórica agressiva, líderes populistas encontram terreno fértil em uma sociedade desiludida, que não vê alternativa nas políticas tradicionais.

No entanto, a resistência ainda existe. Ela está nas pequenas ações cotidianas de servidores como Marlene e Antônio, que, mesmo desvalorizados, mantêm de pé os serviços essenciais. É uma luta silenciosa, invisível para os gráficos das planilhas econômicas, mas vital para quem depende da escola pública, do hospital público, da segurança pública.

No fim das contas, o Brasil precisa decidir o que quer ser: um país governado pelas demandas do mercado ou uma nação que investe em seu povo. Porque, enquanto as planilhas fecham para os investidores, a vida segue aberta em feridas para quem está do lado de cá da austeridade. Marlene e Antônio sabem disso. E talvez, um dia, o Brasil todo saiba também.

João Guató

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