A Urgência da Desaceleração

O grande paradoxo do nosso tempo se desenha entre as prateleiras da Feira de Frankfurt, onde o ar pulsante do mercado literário contrasta com o apelo de desaceleração de Yuval Noah Harari. No palco iluminado, o autor de “Sapiens” e “Nexus” exalta um paradoxo cruel: a humanidade precisa desacelerar — mas rápido. Uma ironia que ressoa em um mundo que avança a passos largos, guiado pela lógica voraz do capitalismo e pela incessante busca por engajamento nas redes sociais.

Harari, franzino e encurvado na poltrona, observa com um olhar penetrante as plateias famintas por novas ideias, enquanto expõe um dilema contemporâneo. As big techs, que se veem como os heróis de sua própria narrativa, são também vilãs em um sistema que promove a exaustão dos recursos naturais e a alienação do ser humano. “Muitas dessas empresas, em privado, desejariam desacelerar”, diz ele, “mas a concorrência não permite.” A platéia sorri, talvez por reconhecer a contradição, ou quem sabe pela estranha cumplicidade na necessidade de parar um pouco.

Ao seu lado, o filósofo japonês Kohei Saito tece um discurso que ressoa com uma visão sistêmica do marxismo, pregando uma desaceleração radical. Em seu livro, que logo ganhará espaço nas prateleiras brasileiras, ele critica a incessante busca pelo crescimento. Para Saito, a era do crescimento infinito é um mito que precisa ser urgentemente desconstruído.

Ambos os pensadores, apesar de suas diferenças, compartilham um alerta: a era da informação e do crescimento desenfreado não é sustentável. Na era dos algoritmos, onde o engajamento é rei e a desumanização parece inevitável, eles propõem um pacto de reflexão e pausa. Um apelo que, ironicamente, se faz ainda mais urgente no mundo hiperconectado e acelerado que habitamos.

“Um dia a internet vai ser inútil, de tanta informação errada”, Saito provoca, arrancando risos da plateia, que claramente anseia por uma volta ao papel, ao livro, ao que é tangível e verdadeiro. Harari complementa com uma crítica ao valor da informação: “Muita informação é lixo.” Ele lança um desafio que ecoa em todos nós: distinguir o que é conhecimento do que é apenas dados dispersos.

A análise sobre a imagem de Jesus Cristo, que nunca foi vista, mas cuja iconografia é uma das mais poderosas da história, revela como a verdade pode ser moldada e reinterpretada. “Essa informação é útil, porque criou uma das redes mais poderosas da história, a religião cristã.” Em um mundo onde o significado se desfaz em meio a cliques, é um lembrete do poder que a narrativa ainda carrega.

No final da conversa, fica uma sensação agridoce. O pacto por uma desaceleração que Harari e Saito propõem parece quase utópico diante da realidade frenética que nos consome. No entanto, a semente dessa ideia é vital: o convite à reflexão, à pausa e ao redescobrimento de valores mais profundos. Em um tempo em que tudo é imediato e descartável, o chamado para um retorno ao que é essencial reverbera como uma sinfonia delicada em meio ao barulho ensurdecedor do progresso desenfreado.

A urgência de desacelerar, por mais contraditória que possa parecer, é o primeiro passo para que possamos, de fato, avançar. Em um mundo que precisa de descanso, a literatura pode ser o caminho mais suave e sincero para a verdade. E talvez, em meio a páginas impressas, possamos encontrar não apenas informação, mas conhecimento, sabedoria e, quem sabe, um pouco de paz.

João Guató

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