Amor e Sexo: O Encontro no Olhar

Era uma tarde de sol, daqueles que fazem a cidade pulsar e se esquentar como uma panela no fogo. Eu andava pelas ruas estreitas de um bairro antigo, onde os prédios pareciam guardar segredos de tempos esquecidos, quando me peguei pensando sobre algo que, até então, parecia tão distante: o amor e o sexo. Como se eles estivessem à espera de uma explicação mais profunda, que fosse além da superfície das convenções sociais que nos cercam.

Mas não se tratava de uma simples reflexão minha. Era o pensamento da Hildegart Rodríguez que me invadia. E não era difícil perceber que, mesmo quase um século depois de sua morte, a sua presença ainda ecoa como um grito de liberdade que atravessa o tempo. Em uma época onde o corpo da mulher era controlado por uma moral rigorosa e um silêncio imenso, Hildegart não apenas desafiou essas normas, mas oscilou entre o amor e o sexo como quem busca dar a estes dois mundos o significado de sua verdadeira potência.

Me perguntei como ela enxergava essa relação. O amor e o sexo, em sua obra, não eram coisas separadas, como muitas vezes se nos ensina, mas duas forças que se alimentavam mutuamente. O sexo, para Hildegart, não era apenas um gesto físico, mas uma revolução íntima e silenciosa. E o amor, longe de ser uma simples emoção romântica, era uma escolha consciente pela liberdade. “O amor é a maior forma de liberdade que o ser humano pode experimentar”, dizia ela. E quem poderia discordar disso?

Eu imaginei Hildegart, com seus olhos intensos, meditando sobre essas ideias. Ela que, ainda jovem, com uma mente precocemente madura, desafiava o mundo ao redor, defendendo que a mulher deveria ser dona do seu corpo e de seus próprios desejos. O amor, para ela, não deveria ser um fardo ou um peso, mas uma possibilidade de crescer e se transformar. Não seria, portanto, uma prisão em que a mulher se submete, mas uma escolha que a liberta. Ela dizia que “o amor deve ser vivido como a revolução que é”. Revolução. A palavra soava tão intensa quanto o próprio conceito que ela defendia. O amor, em sua visão, era a expressão mais pura da autonomia humana.

E o sexo? Ah, o sexo. Ele, em sua essência, também seria uma forma de libertação, mas muitas vezes ele era tratado como tabu, vergonha, pecado. Ela, que desafiava os moralistas da sua época, via o sexo não como um peso moral, mas como uma forma legítima de prazer. “O prazer não é pecado. O prazer é direito”, ela proclamava. Que tipo de coragem se precisava para dizer isso nos anos 1920? O sexo, para Hildegart, estava diretamente ligado à conquista da autonomia feminina, ao direito da mulher de viver sua sexualidade sem culpa ou medo.

Naquele dia quente, com o sol tocando a pele e as sombras se alongando pelas calçadas, eu sentia como se tivesse sido transportado para a época dela. Ela que via o sexo como uma chave para a emancipação feminina, como um ato de resistência contra as normas opressivas. Em seus textos, a mulher não era objeto de desejo, mas dona do seu próprio desejo. E o sexo, então, não era uma obrigação, mas uma celebração da liberdade. Talvez fosse isso o que a tornava uma figura tão à frente de seu tempo.

Pensei também que, no entanto, a visão de Hildegart não estava livre de tensões. Ela sabia que o amor e o sexo nem sempre se encontrariam de forma harmoniosa, que não seria simples livrar-se de séculos de repressão. Talvez a maior luta dela fosse justamente essa: tentar entender como unir, sem perder sua essência, essas duas forças poderosas. Como amar sem ser submissa, como ser sexualmente livre sem ser vista como objeto? O que ela queria, ao fim e ao cabo, era que o amor e o sexo fossem vividos na plenitude de seu significado. Que fossem, ambos, instrumentos de liberdade e não de controle.

A crônica, assim, se estende no meu pensamento. Eu me pego imaginando Hildegart em sua época, suas ideias, seus textos e seus desafios. Ela foi, sem dúvida, uma revolucionária no sentido mais profundo. Em um tempo em que as mulheres não podiam sequer falar de seus próprios corpos, ela os reivindicava. O amor, para ela, não deveria ser visto como algo submisso ou sensível apenas aos caprichos de quem detinha o poder. O amor e o sexo deveriam ser, sim, uma celebração da vida — mas uma celebração livre, consciente e respeitosa.

E à medida que a tarde avançava e as sombras começavam a tomar os prédios antigos, eu percebi que essa conversa que Hildegart iniciou ainda não tinha sido completamente resolvida. O amor e o sexo, entrelaçados, continuam a ser discutidos, repensados, questionados. Mas talvez o maior legado de Hildegart seja este: o convite à reflexão, a liberdade de pensar nossos próprios sentimentos, desejos e relações sem as amarras da culpa, da repressão ou da vergonha.

Talvez, no fundo, o verdadeiro encontro entre amor e sexo seja aquele que acontece quando conseguimos olhá-los sem medo — como duas forças poderosas que, quando unidas, podem criar um novo mundo. E, quem sabe, uma nova forma de ser.

Hildegart Rodríguez, ainda que ausente fisicamente, permanece viva na ideia de que o amor e o sexo devem ser compreendidos como direitos, não como imposições. Como ela dizia, em sua imensa coragem: “A liberdade é o maior ato de amor.”

João Guató

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