Ao Trabalhador e à Trabalhadora, o Direito ao Gozo

Prof. Dr. Elismar Bezerra Arruda

Nas manhãs das sextas-feiras, o que mais se ouve e vê nas redes sociais, é que sextou – e o dizem e escrevem comemorando, mesmo os que trabalham no sábado; é que anteveem o alívio do descanso, da leveza breve de algumas horas, sem a obrigação de fazer coisas sob ordens inquestionáveis. Sim, em geral, o trabalho assalariado é tormento, pois, sua realização, dá-se sob a ameaça da sobrevivência: ou submetemo-nos a ele, ou não temos as condições materiais necessárias à vida. Mas está convencionado, como verdade-maior, que o assalariamento é “trabalho livre”.

Na verdade, nós trabalhadores, os que vivemos do salário – que é pago com nossas atividades produtivas, antes de o recebermos –, vivemos prenhes e difundindo verdades que não são nossas; que, assimiladas e tomadas como nossas, são repetidas sem pudor, no intento de sermos afigurados socialmente como bem informados, como quem sabe. O saber distingue, e o reconhecimento social nos apraz. O contrário envergonha, e o status quo sabe disso. Daí vivermos o maior e mais eficaz processo político-pedagógico de ignorantização da sociedade; que se efetiva, não pela negação da informação, mas, por uma profusão de informações disponibilizadas e difundidas nas plataformas e demais instrumentos da internet e meios de comunicação, outros. Essas informações são acessadas acriticamente, de modo que, sob os domínios de um consumidor passivo e arrogante ativo, são tomadas per si, como o Conhecimento; então, exibidas e difundidas como conteúdo de suas supostas inteligências.

O que essas pessoas ainda não sabem, é que a informação, mesmo sendo elemento importante para a elaboração do conhecimento, não é, per si, conhecimento; pois, o conhecimento para ser, exige o estudo rigoroso da informação, do fato, da coisa, do fenômeno – isto é, requer a análise crítica, a situação da informação na história, na realidade em que foi produzida, as relações com outras informações e interesses, suas conexões com a política, com a economia, com a cultura etc.: o conhecimento é síntese de múltiplas determinações, não fosse assim, não careceríamos da Ciência.

Daí, o ridículo de um trabalhador dizer que “o problema do Brasil é o excesso de feriados”, ao tempo em que lhe parece inteligente, a afirmação o faz acreditar que, expressando-a, qualifica-se socialmente com uma moral progressista e superior, que o diferencia e separa dos “preguiçosos”. Mas, verificada a quantidade de feriados existentes em países do chamado Primeiro Mundo, em relação ao Brasil, essa afirmação não se sustenta; sim, França, USA e Brasil, têm quase a mesma quantidade de feriados fixos e, dependendo do dia da semana em que determinados feriados ocorrem, o Brasil tem menos. Assim, nem percebem que pelo entranhamento dessa concepção em suas mentes, afirma-se a ideia absurda de que, o que trava o pleno desenvolvimento do Brasil, é o fato de o trabalhador brasileiro ser menos “trabalhador”, menos produtivo, que os trabalhadores dos países do chamado “primeiro mundo”; e mais, que, com o entranhamento dessa política de desqualificação moral do trabalhador, a classe proprietária realiza a sua finalidade econômica: a de precificar pra baixo, a Força de Trabalho. Com essa falácia, minimiza o preço da mão-de-obra e reduz o tão alardeado “custo de produção”, pelo que maximiza seus lucros – materializando a ética do capital!

 Diversos estudos demonstram que, com o avanço da Ciência aplicada no processo produtivo, na forma de técnicas, tecnologias, máquinas e equipamentos inovadores e revolucionários, é possível reduzir o tempo de trabalho do trabalhador, sem que haja redução na produtividade; é o que indicam os resultados de uma pesquisa realizada na Inglaterra, em 2022, em 61 empresas de diversos setores, conforme noticiou o Jornal da USP de 24/05/2023. A pesquisa reduziu a jornada de trabalho para 04 (quatro) dias da semana, dando 01 (um) dia a mais de folga para os trabalhadores; o sucesso foi tão grande entre trabalhadores e empresários, que 92% (noventa e dois por cento) das empresas participantes não quiseram voltar à antiga jornada de trabalho. A maioria dos trabalhadores nunca viu nada sobre esse estudo na “grande” imprensa – por quê?

O problema é complexo: uma coisa é o processo produtivo nos países centrais do capitalismo mundial; outra, são as condições impostas à periferia e à semiperiferia, que se desenvolvem na forma do capitalismo dependente, cuja produção precisa remunerar, além do capital local, os capitalistas do centro. É de se destacar, entretanto, que a trama econômico-social capitalista, que é global, tem a sua urdidura determinada pelos interesses e necessidades dos mesmos sujeitos hegemônicos: os capitalistas de lá e de cá; que, só existem, se sustentam e se desenvolvem pela exploração, à exaustão, da capacidade produtiva dos trabalhadores. Nessa trama, os direitos conquistados pelos trabalhadores, especialmente na periferia e na semiperiferia capitalista, são tratados e difundidos como privilégio, contrários ao progresso e à qualificação do processo produtivo, como empecilho ao desenvolvimento.

Daí não ser incomum, trabalhadores de empresas privadas tratarem os Servidores Públicos, inclusive os Professores e Professoras, como privilegiados, preguiçosos, incompetentes, “com direitos demais”; e, assim, fazerem um discurso absolutamente jumento, com ares de superioridade: o de que os Servidores Públicos em geral são seus “empregados”, porque os Serviços Públicos e os Servidores são mantidos com impostos que eles pagam. Ora, os Servidores Públicos pagam tanto ou mais impostos que os trabalhadores da empresa privada, e os seus salários, assim como o de qualquer empregado da empresa privada, é pago com o trabalho do próprio Servidor – pelo que não devem favor a ninguém!

Na verdade, o processo produtivo do capital vive sob a ameaça das suas próprias contradições, que, insanáveis, precisam ser administradas. Mas, como administrar o fato de que, quanto mais produz riquezas, mais a pobreza relativa e absoluta cresce? Como esconder que a emersão de uns poucos bilionários, com capital superior ao PIB de alguns países, dá-se ao tempo em que bilhões de trabalhadores, inclusive nos países “do primeiro mundo”, são jogados na mais absoluta miséria? Em face disso, uma capciosa estratégia do alto empresariado está sendo “recomendada” aos governos: a de reduzir e substituir os direitos trabalhistas por assistência social. Ora, qual o objetivo disso, senão o de desqualificar o trabalhador como sujeito produtor de riquezas, para reduzi-lo à massa despersonalizada, subalternizada ao interesse patronal, avesso à própria autonomização?

O Trabalho é fundamental, mas, a Vida do Trabalhador não pode ser só de Trabalho. O seu tempo de não-trabalho, não pode ser apenas para recuperar suas forças, para realização de mais Trabalho! É necessário tempo para ficar em casa, para ver um espetáculo, um jardim, um rio, para amar sem pressa, pra fazer nada; tempo para, mais que ver, enxergar a vida, o mundo: um tempo para saber ser. Para isto são necessários direitos, que confluam para garantir mais tempo de não-trabalho; o custo desses direitos? Já está pago: os trabalhadores já o pagamos com a produção de tantas riquezas, nesses séculos de capitalismo. Assim, a assistência social, ainda que necessária na emergência, não pode substituir ou suprimir direitos, porque ninguém tem ânimo e felicidade vivendo de esmolas; o ânimo, o tesão para viver, amar e, assim, até gerar filhos, precisa ser fruto do conforto e da alegria conquistados – não válvula de escape para aliviar a dor de não ter e ser, depois de doses anestésicas de álcool.

João Guató

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