Cristianismo e Evangelho: Entre Dogmas e Caminhos
Na esquina da história, há dois caminhos que, embora cruzem o mesmo território, levam a destinos bem diferentes: um é o Cristianismo institucionalizado, com suas doutrinas, dogmas e estruturas de poder; o outro é o Evangelho de Jesus de Nazaré, um convite simples, mas profundamente revolucionário, a viver o amor, a justiça e a compaixão. O primeiro, muitas vezes, veste o traje do fundamentalismo; o segundo, descalço, caminha pela estrada da liberdade.
Mas antes de mergulharmos nessa jornada, é preciso entender uma distinção crucial: a diferença entre Jesus Cristo e Jesus de Nazaré.
Jesus Cristo: O Ícone Teológico
Jesus Cristo é o resultado de séculos de reflexão teológica, doutrinária e institucional. É a figura moldada pela Igreja, celebrada em credos e dogmas, reconhecida como o Filho de Deus encarnado, o Redentor, o Messias esperado.
Esse Cristo é, em grande medida, um produto do Cristianismo. Ele habita as catedrais, os livros de teologia, os concílios que definiram sua natureza: plenamente Deus, plenamente homem. É o Cristo dos púlpitos e das liturgias, entronizado no céu, governando o cosmos ao lado do Pai.
Esse Cristo é, frequentemente, uma figura distante, quase inacessível, envolta em mistério e reverência, e, por vezes, usado como instrumento de poder. Em seu nome, reis foram coroados, guerras foram travadas, e normas de conduta rígidas foram impostas.
É o Cristo que fundamenta o Cristianismo — uma religião que, em muitos momentos, se tornou dogmática, hierárquica e excludente.
Jesus de Nazaré: O Profeta do Caminho
Já o Jesus de Nazaré é outra história. É o homem que caminhou pelas poeiras da Galileia, que falava com pescadores, publicanos e prostitutas. Ele não tinha trono, apenas sandálias gastas. Não fundou uma instituição, mas um movimento.
Esse Jesus não está preso a dogmas, mas a histórias. Ele aparece nas margens:
- Com a mulher samaritana no poço.
- Na casa de Zaqueu, o cobrador de impostos odiado.
- No toque curador ao leproso, ignorado por todos.
Jesus de Nazaré é o profeta itinerante, que anunciava o Reino de Deus não como uma instituição religiosa, mas como uma nova forma de viver, baseada na justiça, na compaixão e na inclusão radical.
Enquanto o Cristo teológico governa, Jesus de Nazaré serve. Enquanto o Cristo institucionaliza, Jesus de Nazaré humaniza.
Quando a Verdade Vira Dogma
O Cristianismo, como religião organizada, foi forjado na tentativa de estruturar e preservar a mensagem de Jesus. Mas o que começou como um movimento de seguidores itinerantes logo se transformou em uma instituição que precisava definir quem estava “dentro” e quem estava “fora”.
O problema surge quando a verdade viva do Evangelho se transforma em um dogma imutável. A partir daí, o Cristianismo começa a construir muros:
- “Só há salvação aqui.”
- “Fora desse templo, não há verdade.”
- “Se você não acredita como nós, está perdido.”
Esse é o alicerce do fundamentalismo: a crença de que se detém a verdade absoluta, que precisa ser defendida a qualquer custo, mesmo que isso signifique excluir ou oprimir.
Mas… Jesus de Nazaré nunca construiu muros.
O Evangelho é Caminho, Não Prisão
Jesus de Nazaré não entregou aos seus discípulos um manual de regras rígidas. Ele lhes deu um caminho.
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, disse Ele. Não “eu sou o destino final” ou “eu sou a doutrina perfeita”. Caminho é movimento, é processo, é jornada. No Evangelho, a verdade não é um conjunto de crenças estáticas, mas uma vivência que se descobre ao longo da caminhada, no encontro com o outro.
Enquanto o fundamentalismo quer respostas prontas, o Evangelho convida a fazer perguntas:
- Quem é o meu próximo?
- Como posso amar em situações de conflito?
- O que significa perdoar setenta vezes sete?
O fundamentalismo quer segurança. O Evangelho oferece aventura.
Do Trono ao Lava-pés
O Cristianismo institucionalizado construiu tronos: catedrais, hierarquias, poder político. Jesus de Nazaré escolheu a bacia e a toalha. Na noite em que seria traído, lavou os pés dos discípulos, um gesto radical de humildade e serviço.
Enquanto o Cristianismo muitas vezes tenta governar, o Evangelho insiste em servir.
A Inclusão Radical do Evangelho
O Cristianismo fundamentalista é, por definição, excludente. Ele precisa delimitar fronteiras: santos e pecadores, crentes e infiéis, salvos e condenados.
Mas o Evangelho de Jesus de Nazaré é inclusão radical.
- Um samaritano herege socorre um judeu caído na estrada.
- Uma mulher adúltera é perdoada e não condenada.
- Um ladrão crucificado é acolhido no Paraíso.
No Evangelho, não há “eles” e “nós”. Há apenas um convite aberto: “Vinde a mim todos os que estão cansados e sobrecarregados.”
Todos. Sem exceção.
Cristo e Jesus de Nazaré: Uma Tensão Permanente
A tensão entre Cristo e Jesus de Nazaré é uma tensão entre a religião institucional e a espiritualidade vivida. Entre o poder que controla e o amor que liberta.
O primeiro oferece segurança, certezas e pertencimento a uma comunidade. O segundo exige vulnerabilidade, coragem e uma abertura constante ao outro.
Uma Escolha Diária
No fim das contas, a diferença entre o Cristianismo fundamentalista e o Evangelho de Jesus de Nazaré é uma questão de escolha diária:
Podemos optar pelo conforto das certezas dogmáticas, dos muros que nos separam dos outros, do poder que protege. Ou podemos optar pelo caminho incerto, mas cheio de vida, do Evangelho: o caminho do amor que se arrisca, da compaixão que não tem fronteiras, da fé que confia.
Jesus Cristo é uma figura para ser adorada.
Jesus de Nazaré é um mestre para ser seguido.
E, no fim, talvez Jesus não tenha vindo para criar uma religião, mas para nos ensinar a viver de uma forma tão livre que nenhuma instituição consiga aprisionar.