Desvirginar a Natureza
Era uma manhã qualquer, daquelas que parecem suspensas entre o cansaço da noite e a promessa do dia. O sol ainda se espreguiçava, esticando seus raios como se fossem pernas nuas, sensuais, querendo tocar tudo à sua volta.
Os meninos, como de costume, estavam por ali, vagabundos da vida, planejando o que não sabiam, mas era algo grande. Algo que tinha cheiro de começo e gosto de ardor. Eles falavam baixinho, quase como quem não quer perturbar o silêncio da madrugada que ainda ressoava nos cantos das casas.
Na boca da noite, um sapo, impassível e metódico, engolia mosquitos com a precisão de um predador entediado. O zunido das criaturas sobrevoando o poste de iluminação parecia um eco distante, mas o sapo não se importava. Seus olhos esbugalhados, fixos e sem pressa, observavam a cena como se estivesse esperando, também, que a natureza se rendesse ao seu apetite.
E de fato, algo ali estava prestes a ceder. Não era o sapo, nem os meninos, mas a própria terra. O céu, com suas cores desbotadas, parecia conceder uma licença a quem quisesse tomar posse das manhãs de verão.
Aquela era uma época em que a natureza ainda não tinha se acostumado com os olhos humanos que espreitavam suas entranhas. Era uma época em que o desejo, puro e simples, parecia estar impregnado em cada folha que tremia ao vento. O eco profundo do amanhecer não era apenas um som; era um convite para que as coisas se entregassem, para que a beleza fosse desvirginada, remexida, explorada.
E ali estavam os meninos. Eles não pensavam em nada além do simples gesto de desvirginar. O mundo, ainda molhado do cosmento da noite, oferecia-se de pernas abertas, como a manhã recebendo o sol. Havia algo de quase sexual em tudo aquilo, uma tensão no ar, uma expectativa insustentável. Eles, com seus pés descalços e os olhos brilhando de vontade, queriam, de alguma forma, arrancar do solo sua primeira essência. Como quem arranca a flor antes que ela tenha o tempo de se abrir.
Mas, na verdade, o que eles buscavam não era desvirginar, e sim arrancar o último vestígio de inocência que a natureza ainda parecia guardar. Não havia desejo explícito, mas sim uma ânsia imensa de tomar, de possuir, de experimentar sem pudor. Não era amor, nem paixão. Era uma vontade feroz, primitiva, de tomar posse do que se via, de despir a terra e fazer com que ela se revelasse em toda sua crueza.
E o dia, claro, não demoraria a nascer, com seus raios de sol penetrando o fundo do eco, como uma promessa que se cumpria silenciosamente. A luz, então, tomava o mundo, transformava tudo em dourado, e os meninos, agora com as mãos sujas de terra e os olhos ainda incertos, compreendiam, sem entender, que o verdadeiro ato de desvirginar a natureza não estava no que tocavam, mas no que os tocava de volta.
O sol estava alto agora, e o sapo, desinteressado, já havia se retirado para o canto escuro da noite. O eco já não era mais o mesmo. Mas, em algum lugar profundo da terra, algo ainda tremia, como se estivesse esperando para ser tocado de novo.