Deus salva! O rock alivia!
Por Marinaldo Custódio
Encontrei certa vez a frase acima na capa de um velho LP de Neil Young, se não me engano. Por uma dessas bobeiras inomináveis que às vezes cometemos, não o comprei, e não foi por falta de recursos. Estava barato e, além do mais, o encontrei num sebo de Cuiabá, onde, diga-se, eu não preciso necessariamente estar com dinheiro pra levar o produto na hora.
Todavia, neste texto, quero falar não apenas de curiosidades como essa, algo que surpreende pelo inusitado, mas sim daquilo que efetivamente a gente costuma procurar nos sebos da vida, a saber: produtos raros ou fora de catálogo, aqueles achados que às vezes nos compensam por meses (às vezes anos, décadas) de peregrinação.
Foi num sebo, por exemplo, que encontrei recentemente um livro de poemas do russo Maiakóvski, com tradução e comentários de Augusto de Campos, e pela bagatela de 8 reais! Na noite daquele mesmo dia, mostrando o livro, comentei com o Sodré, na Universidade, que se ele custasse 100 reais e eu tivesse o dinheiro (ou crédito na loja) não há dúvida de que o
compraria no ato.
Menos sorte que eu, no caso em foco, teve o próprio Sodré: ele encontrou recentemente o monumental livro História Social dos Judeus, que inclusive pretendia utilizar numa pesquisa que desenvolve há anos sobre aquele povo (e na qual ainda pretende consumir muitos anos mais), no entanto, por uma daquelas bobeiras inomináveis, deixou pra comprar na semana
seguinte, embora tivesse o dinheiro para fazê-lo na hora.
Resultado doloroso e até previsível em casos assim: no domingo seguinte, ele foi “seco” ao sebo do amigo Clóvis de Matos pra finalmente adquirir o livro, mas qual: nem sombra dele; naquele intervalo, um outro espertinho, e mais rápido naturalmente, já o havia levado, deixando o nosso preclaro poeta a ver navios e a espumar de raiva e de frustração impotente.
No final dos anos 90, saindo de férias em dezembro, fui de ônibus com minhas mochilas rumo a São Paulo, mas parei em Campo Grande e, como eu ainda cultivasse o hábito de comprar LPs, adquiri lá uns 60 bolachões e mais alguns livros; por consequência, a bagagem ficou demasiado pesada e eu tive de voltar a Cuiabá para trazê-la.
Saí de novo dois dias depois rumo a São Paulo, mas dessa vez, estrategicamente, sem antes parar em qualquer cidade no meio do caminho.
Nos sebos, muitas vezes acontece aquela coisa de você procurar um dia inteiro algo que valha a pena, prateleira por prateleira, e só ao final, quase na hora da loja fechar, no último lance de livros, LPs ou CDs, encontrar a sua “pérola rara”.
Um momento assim, pela beleza e alegria que comporta, certamente é daqueles dos quais disse John Keats em seu poema imortal: uma coisa bela é uma alegria para sempre.
Minha convivência com os sebos – assim como com as livrarias, lojas de discos e bancas de jornal – é sempre feita de muito carinho e de uma lealdade inabalável. Para defini-la não me sai nunca da mente o início magistral da novela “A volta do parafuso”, de Henry James: diria
que, nessas casas comerciais, estou sempre à procura de algo assim como um livro com uma daquelas histórias pra ser lidas em noite de Natal, sozinho a um canto mas cercado de entes queridos pelos outros cômodos da casa, enquanto lá fora, faça frio, calor ou chuva, a noite absoluta segue o seu curso inexoravelmente, insensível às alegrias, às tristezas e aos
sustos dos homens.