Ecos da floresta Amazônica: Histórias e Saberes Ancestrais de Gakamam Surui

*Joaton Pagater Surui

É curioso como o tempo se estica e se encolhe, como um elástico que puxa e solta, moldando nossa percepção da vida. Quando olho para o meu pai, Gakamam Surui, um líder tradicional e, é o guerreiro que desbravou os perigos na invasão do seu território. Ao refletir seu legado, sinto que o tempo se comporta de maneira estranha, quase caprichosa, como se estivesse dançando ao ritmo da floresta onde ele nasceu. Sua história é um enigma de começos e fins, entrelaçada com a vida que ele viveu e as mudanças que o tempo trouxe.

Meu pai nasceu na imensidão verde da floresta, onde o céu parece mais perto e o murmúrio dos rios é a melodia constante do cotidiano. O tempo na floresta é diferente do tempo das cidades; ele não é marcado por relógios ou calendários, mas pela sucessão dos dias e das estações, pelo ciclo dos frutos e pelas histórias sussurradas pelos ventos. Gakamam, desde jovem, foi moldado por esse tempo que escapa das convenções, um tempo de guerra e de paz, de caça e de celebração.

Quando os colonizadores europeus chegaram, a floresta se transformou em um palco para uma nova batalha. Meu pai e seus guerreiros, com arcos e flechas, defendiam seu território com uma coragem silenciosa. Eles não conheciam ainda o poder destruidor das armas de fogo, mas lutavam com tudo o que podiam, tentando preservar sua forma de vida. Eu costumava ouvir histórias dessas batalhas, como se fossem lendas de um passado distante, histórias que ele contava com um brilho nos olhos, um brilho que parecia refletir o próprio espírito da floresta.

Foi em 1967 que a floresta viu algo que nunca havia visto antes: os homens brancos da FUNAI, com suas máquinas e suas intenções desconhecidas. Meu pai sempre contava como foi estranho, aquele primeiro encontro. Eles vieram como visitantes inesperados, trazendo consigo um mundo que parecia tão distante da simplicidade da vida na floresta. O contato oficial veio em 1969, e a partir daquele momento, o que antes era um campo de batalha conhecido tornou-se um território de negociações e compromissos.

A chegada dos brancos trouxe consigo mudanças profundas. O que era puro e imutável começou a se fragmentar. As tradições que meu pai havia protegido com tanta valentia foram se diluindo na pressão da modernidade. Os saberes ancestrais, que tinham sido passados por gerações, começaram a desaparecer. Era como se a própria essência da floresta estivesse se desfazendo, engolida por um avanço que parecia inevitável e inescapável.

Agora, com 80 anos, meu pai carrega o peso dessas mudanças. Seus olhos, antes brilhantes e cheios de vida, agora parecem cansados, como se estivessem se adaptando à sombra de um mundo que se tornou cada vez mais hostil. As lágrimas que ele derrama não são apenas pelo desmatamento que ameaça nossa terra, mas também pela perda de um modo de vida que ele tentou, sem sucesso, preservar.

O desmatamento avança implacável, com invasores desfigurando a floresta que foi sua vida e seu legado. Para meu pai, a garantia do direito de ter a floresta em pé está ameaçada, e com ela, a liberdade de viver em paz e harmonia com a natureza. Ele se vê impotente, sem a capacidade de dominar a língua portuguesa para reivindicar o que lhe foi tirado. Já não pode defender seu território com seu arco e flecha contra as máquinas devastadoras que chamamos de Wao tih, o “Jacaré grande”, um monstro metálico sem respeito pela vida natural.

Cada lágrima que escorre de seus olhos carrega o peso das suas preocupações e dores invisíveis, um lamento silencioso diante da poluição mentalidade dos seres humanos, um sofrimento que não encontra palavras adequadas. Meu pai espera, amargamente, por uma proteção da natureza que parece estar cada vez mais perdida, engolida pelo voraz capitalismo que se expande como uma sombra sobre o mundo natural.

O começo da história da vida do meu pai parece estar chegando ao fim, como se tudo o que existiu através do conhecimento tradicional dos Paiter estivesse se desintegrando. O tempo em que vivemos no século XXI está transformando nossa vivência, marcada pela ganância e pela visão capitalista que se distancia cada vez mais dos valores ancestrais. A história do meu pai, imortalizada em seus relatos e em sua luta, é um testemunho do que está em risco de ser perdido, um lembrete da importância de preservar o que ainda pode ser salvo antes que o final se torne irrevogável.

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João Guató

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