Entre a Cinza e o Céu: Em Rondônia, O Direito de Respirar é Negado


Entre o céu e a terra de Rondônia, o que mais se vê é a bruma que não é chuva, mas um véu de partículas invisíveis que se insinuam pelo ar. A quinta-feira, 29 de agosto de 2024, não traz consigo a frescura esperada. Em vez disso, ela nos concede um manto denso e sufocante, feito não de nuvens, mas de cinza e fumaça, tecidas pelas chamas que lambem as florestas e pastagens.

Os mapas dessa data são uma pintura sombria. As regiões do Madeira-Mamoré, Vale do Guaporé e partes do Vale do Jamari estão mergulhadas em um cenário de “Péssima” qualidade do ar. O ar que respiramos, já não é mais apenas invisível, mas um inimigo tangível, composto por finíssimas partículas que desafiam qualquer filtro pulmonar. Nas demais áreas, a qualidade não é melhor: “Ruim” a “Muito Ruim”, como se a natureza, em uma fúria de retaliação, decidisse brincar com nossos pulmões.


A Vigilância em Saúde nos apresenta um manual de sobrevivência em meio ao caos atmosférico. É uma espécie de receita para a preservação da vida, mas que, paradoxalmente, nos obriga a nos isolar. “Aumente a ingestão de líquidos”, dizem, para que as membranas respiratórias possam se manter úmidas, como se beber água fosse um antídoto contra o que o ar carrega. “Reduza o tempo de exposição”, recomendam, como se a nossa própria respiração não fosse mais um risco calculado, mas um exercício de precaução em um campo de batalha invisível.

Em um cenário onde a paisagem se torna quase apocalíptica, com o ar mais pesado que o habitual, há um convite implícito para uma introspecção forçada. Nossas janelas devem permanecer fechadas, e nossas atividades ao ar livre, suspensas. O que antes era a liberdade do espaço aberto se transforma em um campo minado de poluição. Até mesmo as crianças, os idosos e as gestantes devem ser vigiados como se fossem tesouros frágeis em um mundo cada vez mais hostil.

Mas há algo de profundamente irônico em toda essa situação. A natureza, que nos oferece o oxigênio essencial à vida, se torna também o veículo de nosso sofrimento. A cada queimadura na mata, a cada incêndio descontrolado, a qualidade do ar declina, e com ela, o sopro de vida que se torna um desafio para o pulmão e um convite ao isolamento.


Entre os sons abafados de um ar envenenado, é preciso encontrar o silêncio da segurança e a serenidade da cautela. No fundo, o que resta é um lembrete constante de nossa fragilidade diante das forças que, paradoxalmente, nos são tanto companheiras quanto adversárias. E assim, em meio ao crepitar das chamas e à névoa que se espalha, somos chamados a reavaliar nossa relação com o ambiente que respiramos e com o próprio ato de viver.

João Guató

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