Herança Africana no Brasil: Desafios, Resistências e a Luta pela Visibilidade

Lá pelas curvas do tempo, entre baobás, maracatus e quilombos, a herança africana no Brasil se fez e se refez, correndo por vielas e becos de resistência. Hoje, falar em herança africana é dar voz aos tambores abafados, às línguas suprimidas, às danças reinventadas – mas também é falar dos desafios que essa herança enfrenta para existir e persistir, de igual para igual, nos pilares da sociedade brasileira.

No Brasil, nossa herança africana é rica e multifacetada, mas a sua preservação e reconhecimento esbarram em um ponto central: o racismo estrutural, que marginaliza e apaga as contribuições afro-brasileiras para nossa cultura, economia e identidade nacional. A herança africana está nas cozinhas de moqueca e acarajé, nos batuques que ressoam nas rodas de samba, mas permanece invisível nas cátedras acadêmicas, nos cargos de liderança, na política – tudo isso faz parte de um país que “exalta” a diversidade, mas caminha a passos lentos para realmente integrá-la.

Para entender os desafios de manter viva essa herança, precisamos voltar aos fundamentos teóricos. Stuart Hall, intelectual caribenho, fala da identidade cultural como uma construção social que se transforma, uma “tradição inventada”. Essa perspectiva ajuda a entender como a cultura afro-brasileira tem sido ressignificada e, muitas vezes, desvirtuada pelo discurso dominante. Aquilo que foi apropriado ou assimilado, como o samba ou a capoeira, hoje é facilmente identificado como “brasileiro”, mas a origem afro fica invisível na narrativa pública.

Já Frantz Fanon, psiquiatra e filósofo nascido na Martinica, nos alerta para os impactos do colonialismo na psique dos povos negros. Ele argumenta que o racismo impõe uma autonegação, uma pressão para apagar as próprias raízes em busca de aceitação na sociedade “branca”. No Brasil, esse fenômeno se traduz na falta de representação positiva, na distorção das histórias negras nas escolas e na dificuldade de se reconectar com uma ancestralidade que foi, historicamente, desvalorizada e criminalizada.

Outros pensadores, como o brasileiro Abdias do Nascimento, trazem a questão da “consciência negra” como resistência e forma de preservação da identidade. Abdias propôs que, para superar as desigualdades, é necessário resgatar as raízes africanas e valorizá-las não só no discurso, mas na prática social. O movimento negro brasileiro, ao longo das décadas, tem defendido políticas de ação afirmativa, como cotas raciais, para corrigir as disparidades históricas que continuam a impedir o acesso pleno da população negra aos direitos fundamentais.

O grande desafio, portanto, é manter a herança africana viva e vibrante em um contexto que ora a folcloriza, ora a invisibiliza. E, ao mesmo tempo, enfrentar os preconceitos que persistem, travestidos de meritocracia e universalismo, que questionam a necessidade de ações afirmativas e tentam diluir a riqueza de identidades em um imaginário “brasileiro” homogeneizado.

Talvez o caminho, então, seja perceber que, para honrar a herança africana no Brasil, é preciso recontar nossas histórias, reconhecer nossas vozes e manter os tambores soando, mesmo que abafados pelas pressões da modernidade. Pois herança não é só o que se guarda, mas é o que se planta para as gerações que virão, num país que ainda precisa aprender a se olhar no espelho e ver, de fato, sua própria cor.

João Guató

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