Pedagogia das Aprendências
Nos velhos tempos, o videocassete era um objeto sagrado na sala de casa. Ele ficava ali, imponente, perto da televisão, e tinha a mágica de transformar qualquer tarde preguiçosa em um espetáculo, bastava inserir uma fita e apertar o botão de play. Eu, como tantos da minha geração, me orgulhava daquele aparelho – era um símbolo do futuro, do progresso, da inovação. Cada filme, cada gravação, representava um pedaço de tempo imortalizado, um pedaço de mundo que passava diante dos nossos olhos.
Foi em um desses dias que minha filha, ainda pequena, entrou na sala com um gibi do Menino Maluquinho nas mãos, com aquele brilho de quem tem um segredo importante. Ela se aproximou do videocassete, olhou para ele com os olhos cheios de curiosidade e, sem pensar duas vezes, colocou o gibi ali. Eu, vendo a cena, me aproximei e perguntei, meio intrigado: “Filha, o que você está fazendo?”
Ela me olhou com a maior simplicidade, como se a resposta fosse óbvia, como se fosse uma verdade universal, e disse: “Quero assistir o Menino Maluquinho na televisão.” A resposta foi tão pura e tão linda que me tocou profundamente. Ela não questionava a tecnologia, não fazia distinções entre o digital e o analógico. Para ela, o gibi era uma história que merecia estar ali, na tela, no mesmo lugar onde via seus desenhos e filmes. O conceito de mídia, de plataforma, de tempo, era algo que ainda não existia em sua cabeça. Ela só sabia que queria ver o que estava nas suas mãos de uma maneira diferente.
Fiquei parado por um momento, refletindo sobre o que acontecia ali. A pedagogia das aprendências, no seu melhor significado, está ali naquele gesto simples. Minha filha não via um livro ou um gibi como um objeto isolado, mas como algo que poderia se transformar, que poderia ocupar outros espaços, que poderia ser uma nova forma de aprender e de experienciar. Ela estava, sem saber, tentando unir duas linguagens – a escrita e a visual – para entender o mundo de uma maneira mais rica e completa.
É esse o poder da pedagogia das aprendências: ela não diz como se deve aprender, ela apenas observa, acolhe e, muitas vezes, desafia as estruturas preestabelecidas. Enquanto eu me preocupava com a forma como as coisas “deviam ser” – o gibi é para ser lido, o videocassete para assistir filmes –, minha filha, com sua visão inocente e criativa, me ensinava que o aprendizado não tem fronteiras, que a aprendizagem pode ser fluida, curiosa e muitas vezes inesperada.
Naquela ação simples, minha filha estava me mostrando a verdadeira essência da pedagogia das aprendências. Ela não estava apenas consumindo conteúdo; estava criando uma ponte entre o que conhecia e o que imaginava, estava tentando transformar a realidade à sua volta em algo que fosse mais fácil, mais palpável, mais interessante. O videocassete não era apenas um objeto de assistir filmes, era um meio para ela dar vida a suas próprias histórias, para transcender os limites de uma mídia para outra.
A pedagogia das aprendências nos ensina a escutar essas ideias, a respeitar esses impulsos criativos que surgem de dentro. Ela nos lembra que, como educadores, nosso papel não é apenas ensinar o que sabemos, mas aprender com os pequenos, com suas formas de ver o mundo e suas tentativas de fazer sentido dele.
Então, ali, no meu pequeno universo familiar, minha filha me ensinou uma grande lição. Ela não queria apenas assistir a um filme. Ela queria transformar o mundo à sua volta, conectando coisas que, para nós, pareciam desconectadas. E quem sabe, no fundo, seja isso que significa aprender – ver possibilidades onde os outros veem limitações, ver o Menino Maluquinho na tela da televisão, mesmo que o gibi tenha sido feito para ser lido.