No País dos Apelidos

Se tem uma coisa que define o Brasil — além do samba, do futebol e da fila do SUS — é o talento para criar apelidos. Não há escapismo: do boteco ao Planalto, todo mundo carrega um. E quando falamos dos políticos, a criatividade nacional se transforma em obra-prima. Por quê? Porque no Brasil, apelido não é só uma piada: é uma síntese cultural, um raio-x da percepção popular.

O Apelido como Retrato Cultural

Diferente dos nomes de batismo, que vêm com pompa e intenção, os apelidos nascem espontaneamente, brotam das ruas, das manchetes, das gafes e dos trejeitos. No fundo, apelidar é um exercício coletivo de semântica: uma tentativa de traduzir uma personalidade complexa em poucas sílabas carregadas de significado.

Veja, por exemplo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para os íntimos — ou melhor, para o Brasil inteiro — é Lula. Simples, direto, popular. O nome curto, vindo da infância, virou símbolo político: a metáfora do líder que carrega a humildade nordestina e a resistência de quem veio do chão da fábrica. No entanto, nas trincheiras dos adversários, ele também foi chamado de Nine (uma referência cruel aos seus nove dedos), uma tentativa de reduzir o homem à caricatura.

Já Jair Bolsonaro não teve a mesma sorte fonética de Lula. Seu sobrenome longo e sonoro foi uma porta aberta para apelidos de todos os tipos: Mito para os seguidores fervorosos, Bozo para os críticos que viam nele um governante “trapalhão”, e Capetão durante a pandemia, quando suas decisões foram vistas como temerárias. Cada apelido, uma moldura semântica de como ele era percebido: herói, vilão ou bufão.

E Michel Temer? Ah, Temer não escapou da sagacidade linguística. Com sua aparência formal e distante, ganhou o apelido de Vampirão. A origem? Uma combinação da pele pálida, o sorriso enigmático e uma política que, para muitos, parecia feita nas sombras. É o Brasil fazendo da semiótica uma piada que gruda.

Apelidos como Símbolos de Poder e Descontentamento

Os apelidos também têm função política: eles são armas de resistência e de reverência. Fernando Henrique Cardoso, o acadêmico que subiu ao poder, virou FHC, um apelido que soa técnico e respeitável — quase um logotipo. Já Dilma Rousseff foi chamada de Coração Valente pelos correligionários, mas de Gerentona pelos críticos, que a viam como rígida e sem carisma.

Os apelidos atravessam ideologias, carregam afetos e desafetos. José Sarney? Bigode. Não precisa de mais nada: o símbolo facial virou sinônimo do homem que representou um Brasil de transição, entre ditadura e democracia. E Paulo Maluf? Malufão, aquele que até hoje tem a capacidade semântica de significar “política que enriquece o político”.

A Linguagem que Humaniza

Mas por que o brasileiro apelida tanto? Porque o apelido humaniza. Ele traz o político para perto do povo, despindo-o da formalidade e dos títulos. Quando o presidente vira Capitão, Lula ou Bozo, ele deixa de ser uma entidade distante para se tornar parte da conversa de bar. É a linguagem popular tornando a política um pouco mais nossa — mesmo que pelo humor ácido ou pela ironia.

Em outras culturas, o respeito institucional impede essa familiaridade. Nos Estados Unidos, os presidentes são chamados de Mr. President, até em casa. No Brasil, não: aqui, o presidente é o Lula, o Capitão, o FHC, como se fosse alguém da vizinhança. E talvez seja isso o que nos define: no Brasil, o poder não está acima da sátira, e a sátira é o espelho de um país que nunca perde a piada — mesmo quando a realidade parece ser a maior delas.

E assim, seguimos: no país dos apelidos, onde os nomes oficiais são apenas formalidades, e o que importa mesmo é o que o povo decide chamar.

João Guató

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