O Botequim de Quebra-Dedo e a Maciinha Cuiabana

Por João Carlos Gomes


Na pequena comunidade de Quebra-Dedo, na baixada cuiabana, havia um botequim modesto, mas de alma vasta. O local era o refúgio dos desencantados da vida, dos poetas das esperanças arremessadas e dos bebedores de cachaça.

O botequim, informalmente conhecido como “Botequim do Noratinho do Violão Solado”, servia uma cachaça especial: a maciinha cuiabana. Esta bebida, feita de água ardente de cana de açúcar, era enriquecida com raiz de bugre, uma planta típica do cerrado do Mato Grosso, conhecida por suas propriedades medicinais.

A raiz de bugre, nativa do cerrado, pertence à família dos cachaceiros e ao gênero do pé-de-cana. Tradicionalmente usada na medicina popular, é valorizada por suas propriedades estimulantes e como supressora de apetite. Também está associada ao popular Chá de Bugre, conhecido por suas propriedades diuréticas e inibidoras de apetite. O chá contém cafeína, potássio e outros compostos, e é frequentemente utilizado como suplemento para controle de peso. Embora muito consumido, há poucos estudos clínicos que comprovam seus efeitos fitoquímicos.


Todos os dias, João da Candogas, figura carismática e conhecida por sua aparência de andarilho e seu jeito cínico, passava por ali. Noratinho do Violão Solado, o anfitrião do lugar, tinha um coração grande como a própria baixada cuiabana e oferecia a maciinha para quem não tinha um real no bolso. Era um acordo tácito, uma forma de manter o espírito da comunidade aquecido contra as feridas do cotidiano.

Num dia, o sol de Cuiabá parecia brilhar mais intenso e o céu mais alto, como se pressagiasse um tumulto. João da Candongas acordou com o bico virado e a boca enroscada na palavra “paixão”, enquanto escutava a música de Odair José, “Eu Vou Tirar Você Desse Lugar”. Noratinho, sempre atento ao humor dos clientes, logo percebeu que o dia seria diferente. A cachaça, que antes fluía como um afago gratuito, agora só seria servida mediante pagamento.

Quando João apareceu no botequim, Noratinho, com a seriedade que o momento exigia, anunciou: “Hoje, meu amigo, a maciinha só é servida se tiver real no bolso.” João, com a mesma expressão de quem encontra um enrosco na própria sorte, fez seu pedido habitual: “Xô mano, preciso tomar uma pra curar as minhas feridas!”


Noratinho, com sua empatia habitual, não resistiu e serviu a maciinha cuiabana. João da Candogas, com o olhar de quem vislumbra o próprio milagre, virou o copo de uma vez só. A cachaça desceu maciinha, como sempre, e Noratinho, observando a cena com atenção, não viu a tão falada ferida. Curioso, ele perguntou: “Siminino, você não tem nenhuma ferida visível pra tomar maciinha de graça?”

João da Candogas, com um sorriso de quem sabe a resposta e a pergunta, revelou a verdadeira ferida com a sagacidade de um poeta: “Minhas feridas são por dentro, xô mano. Elas são por causa da mulher da vida com quem me apaixonei no cabaré da Carminha no Ribeirão do Limpa em Cuiabá. Eu me apaixonei loucamente por ela depois de fazer amor, e mesmo gemendo sem sentir, as feridas da minha alma são essas paixões que nos marcam por dentro.”

Enquanto a tarde se estendia e o sol de Cuiabá parecia brilhar mais intenso, João da Candogas, com o coração apertado pela melancolia, entoava a música “Eu Vou Tirar Você Desse Lugar” de Odair José, sua voz rouca e comovida preenchendo o botequim. Ele cantava a plenos pulmões, imerso na dor da paixão não correspondida, enquanto Noratinho do Violão Solado acompanhava com seu violão, o som das cordas vibrando como um eco das emoções de João. A melodia do “solado”, com seus acordes ressoantes e emotivos, parecia refletir o tumulto interno de João, cujas palavras de amor e desespero encontravam ressonância na simplicidade do ambiente e na profunda empatia do anfitrião.

Assim, a sabedoria dos homens da baixada cuiabana encontrou seu espaço entre as paredes do botequim. E enquanto a maciinha cuiabana continuava a ser servida, as feridas internas de João, e talvez de muitos outros José, encontravam uma cura mais verdadeira, refletindo as complexidades das paixões e dores da vida.

João Guató

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