O Canto do Natal
O Natal não tem dono. Ele é da terra, das árvores, dos bichos, das estrelas que aparecem mais cedo. O Natal é um silvo no vento, é uma flor de barro que nasce sem saber o nome. É um pedaço de noite que se estica e vira dia. Como a lembrança que cresce nos dedos, o Natal tem um jeito que ninguém pode prender.
Aqui, a gente não conta o Natal pelos relógios, mas pelos braços das árvores que se alongam com o peso do tempo. O Natal é um canto do céu que não tem pressa de sair. Tem uma leveza que a gente sente na sombra de um pássaro que passa e não quer voltar. Eu, por exemplo, vejo o Natal nas mãos abertas da minha avó, que não me dá presentes, mas me oferece a terra, como quem dá o rio sem querer. E é sempre um presente aquele pedaço de rio que a gente guarda no peito.
O Natal, pra mim, tem cara de chuva que vem de madrugada e molha os sonhos da gente sem pedir licença. Não é que a gente precise de tanta luz, se a luz já está em tudo o que não se vê. O Natal é o som do chão que se abre pra dar passagem a coisas que a gente nunca soube que existiam. Um de cada vez, as estrelas se ajeitam no céu, como se estivessem esperando que a gente olhasse.
Esse tal de Natal é feito de poeira, de cheiro de grama cortada, de riso escondido entre as pedras. Eu vejo o Natal no olhar do meu cachorro, que não entende de presentes, mas sente que algo bom está vindo no vento. Talvez o Natal seja isso: um estalo no ar, um canto de coruja, um sussurro de quem a gente não sabe o nome, mas sente que está perto.
Ninguém nunca viu o Natal de verdade. Ele é invisível. Como o sol que não se vê na manhã nublada, mas que aquece do mesmo jeito. O Natal é o que sobra quando a gente olha pro céu e encontra uma estrela que brilha sem explicação. O Natal é o que a gente não diz, mas sente. E o melhor é que ele acontece sempre, nos dias e nas noites mais simples, nos pedaços de tempo que ninguém dá valor.
Eu gosto do Natal assim, quieto. Sem vozes. Ele é a coisa que sobra quando a gente deixa de esperar, quando a gente para de querer tanto. O Natal está nas coisas que a gente perde e acha, no canto do rio que ainda canta, na flor do mato que não sabe que é flor.
O Natal é um jeito de o mundo respirar mais devagar, como se fosse hora de dar descanso ao coração. E, talvez, seja isso: o Natal é o que não se vê, mas que permanece, como o cheiro da terra depois da chuva.
E é, antes de tudo, o sabiá cantando na laranjeira de madrugada, anunciando que o Natal já chegou. Ele canta sem pressa, porque sabe que o Natal não se apressa, e é pela sua voz suave, quebrando o silêncio da noite, que ele nos chama a ouvir o que ainda não sabemos. E o Natal se faz, então, não no que é dado, mas no que é sentido, como o canto do sabiá que ninguém vê, mas que, ao amanhecer, é a única coisa que importa.