O Fogo e o Raiar da Consciência
Nos primeiros meses de 2024, o Pantanal se tornou um palco sombrio de incêndios, refletindo um fenômeno que, à primeira vista, parece se confundir com a natureza. No entanto, Osmar Pinto Junior, coordenador do grupo de eletricidade atmosférica do Inpe, traz um alerta: a quantidade de raios que poderia acender essa chama é, na verdade, irrisória. Desde maio, os dados mostram uma baixa drástica na incidência de raios, e das 36,3 mil focos de calor registrados na região, apenas 80 foram causados por descargas elétricas.
Esse cenário não é apenas uma curiosidade meteorológica, mas um chamado à responsabilidade. A análise do Lasa, que cruzou dados de incêndios com a incidência de raios, revela que somente 1% das descargas elétricas é capaz de provocar incêndios. Os incêndios que consumiram vastas áreas do Pantanal são, em grande parte, de origem humana. Renata Libonati, especialista na dinâmica do fogo, ressalta que a natureza, por si só, não é a vilã. Os incêndios provocados por raios tendem a ser pequenos e de baixa intensidade, enquanto os incêndios quilométricos deste ano apontam para um uso do fogo com conhecimento e, muitas vezes, descaso.
Essa distinção é crucial. “Igual churrasco: é difícil fazer o fogo pegar no carvão, mais ainda fazer ele se alastrar”, explica Junior, ilustrando a diferença entre os incêndios naturais e os que têm a mão humana como origem. Enquanto a vegetação ainda seca se prepara para a transição para o tempo chuvoso, a preocupação se intensifica. A previsão de que a quantidade de raios aumentará em cinco vezes pode dar a impressão de que os incêndios se tornarão igualmente comuns, mas essa percepção precisa ser temperada pela realidade: a maior parte das chamas que consome o Pantanal tem um autor humano.
A diretora do MapBiomas Fogo, Ane Alencar, reforça essa visão ao destacar que queimadas originadas por fenômenos naturais são eventos raros. De garrafas de vidro a latas de metal, os descuidos do homem provocam uma devastação que poderia ser evitada. A relação entre as chamas e a ação humana é clara, mas a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil optou por se calar diante da questão, evidenciando uma hesitação em enfrentar a realidade.
À medida que o país se aproxima de um período crítico, onde o calor e a vegetação seca se encontram com um aumento na incidência de raios, a mensagem é clara: a responsabilidade sobre as queimadas é nossa. A consciência ambiental deve ser alimentada com informação e ação. O Pantanal, um bioma rico e frágil, não deve ser apenas um cenário de destruição, mas uma oportunidade de reflexão sobre nossas escolhas. A natureza, ao contrário do que se costuma pensar, não queima por si só; somos nós quem, em nosso descaso, acendemos a chama.