O Horizonte da Lúcida Inconveniência
Por João Guató
À beira do majestoso Rio Madeira, onde a vastidão das águas se encontrava com o verde profundo da floresta amazônica, Tonho da Lua passava suas tardes. Tonho era um homem de profunda sabedoria popular, conhecido por suas histórias e por sua visão aguçada da vida. Contudo, apesar de sua fama de conhecedor, havia uma inquietação em seu peito que ele não conseguia ignorar.
Em uma tarde quente, Tonho estava sentado em um banco de madeira rústica, apreciando o fresco de um tererê preparado com capricho. O som das águas correndo lentamente e o canto dos pássaros eram os únicos companheiros de sua reflexão. O céu estava limpo e azul, e a luz do sol brilhava intensamente sobre o rio, refletindo um brilho que parecia irreal.
Tonho tinha uma sensação de desconforto ao observar a simplicidade do cenário à sua frente. Apesar de sua habilidade em compreender as sutilezas da vida e as complexidades do mundo, sentia que a clareza de seu entendimento muitas vezes o afastava das coisas mais simples e profundas que o cercavam. “Nem tudo que é lúcido me convém”, costumava pensar.
Enquanto tomava o tererê, viu um grupo de jovens ribeirinhos que passavam, rindo e brincando na margem do rio. Eles estavam imersos na diversão e na alegria do momento, suas risadas se misturando com o som da água. Tonho notou que, para eles, o rio e a vida pareciam mais uma fonte de prazer e liberdade do que uma complexa rede de significados.
Tonho refletiu sobre o contraste entre sua visão e a deles. A clareza com que ele abordava o mundo parecia quase um peso, uma lente que ampliava as complexidades e as contradições da vida, mas que não o deixava plenamente integrado ao prazer simples e imediato das experiências cotidianas.
Curioso, Tonho decidiu se aproximar dos jovens e perguntar sobre o que eles viam no rio e em sua própria experiência. “O que vocês sentem quando estão aqui, brincando e se divertindo?” perguntou ele.
Um dos jovens, com um sorriso iluminado pela alegria, respondeu: “Sentimos que a vida é uma grande festa, cheia de momentos para aproveitar. Não pensamos muito nas coisas; apenas vivemos o que sentimos.”
Tonho ouviu, e uma sensação de alívio e compreensão começou a se formar dentro dele. Os jovens viviam a experiência com uma pureza que ele percebia ter perdido, uma simplicidade que parecia o contrário da lucidez que o ocupava tanto. A clareza e a análise, embora úteis em muitos aspectos, pareciam estar o distanciando da capacidade de vivenciar a alegria direta e a beleza simples.
Enquanto o sol começava a se pôr, tingindo o céu com tons dourados e laranjas, Tonho voltou ao seu banco. Ele observou o reflexo do crepúsculo nas águas do Madeira e sentiu que, por um instante, podia se soltar da análise constante que o dominava. A sabedoria não estava apenas na compreensão das complexidades da vida, mas também na capacidade de se deixar envolver pelas experiências simples e genuínas.
Com o crepúsculo se aprofundando e o rio refletindo a luz do fim do dia, Tonho sentiu que havia encontrado um novo entendimento. Nem toda clareza era benéfica; às vezes, o que se precisava era apenas viver o momento com a simplicidade e a autenticidade que aqueles jovens demonstravam. Em seu coração, Tonho compreendeu que a verdadeira sabedoria estava em saber equilibrar a lucidez com a capacidade de se entregar à simplicidade e ao prazer do presente.