O Peso da Constituição Sobre as Estrelas
Quando os galões e estrelas de um uniforme militar tornam-se insígnias de subversão, o que deve pesar mais: as medalhas ou os artigos da Constituição? No tribunal da democracia, essa pergunta é retórica. Não há hierarquia ou patente que se sobreponha ao primado do Estado de Direito. Mas, como vimos nas investigações da Polícia Federal, há aqueles que acreditam estar acima da Carta que juraram defender.
A lista dos conspiradores, que mais parece um extrato das altas patentes das Forças Armadas, desafia o art. 142 da Constituição Federal, que delimita o papel das Forças Armadas como “garantidoras da ordem” subordinadas ao poder civil. Não há margem para interpretação: subordinadas. Ainda assim, os fatos expostos sugerem que o verbo tenha sido trocado por “subvertidas”.
Os militares acusados conspiraram contra o art. 1º da Constituição, que consagra a soberania popular e a eleição como expressão máxima da democracia. Mais do que isso, flertaram com crimes previstos no Código Penal Militar, como o art. 357, que trata de “motim” e “revolta”, e o art. 238, que versa sobre “usurpação de comando”. São crimes que, ironicamente, foram concebidos para coibir comportamentos exatamente como os que eles demonstraram: insubordinação e traição ao pacto democrático.
Mas a responsabilidade deles não para no código castrense. Estamos diante de crimes de Estado. Conspirar contra o resultado eleitoral não é apenas um ato antidemocrático; é uma afronta direta ao art. 85 da Constituição, que define como crime de responsabilidade qualquer ato que atente contra o livre exercício do poder legislativo, judiciário ou contra os direitos políticos. E aqui, a sanção transcende a prisão. Inclui a história, que nunca esquece os que atentaram contra a soberania popular.
O tribunal que julgará esses homens terá a tarefa não apenas de aplicar o Direito, mas de reafirmar a ordem constitucional. Não se trata de punir apenas os atos, mas de deixar claro que as Forças Armadas, como instituição, não são um poder moderador. E, se alguém acredita o contrário, precisa revisitar o Supremo Tribunal Federal, que há anos deixou claro no julgamento da ADPF 672 que não há “salvadores” da Constituição fora dela.
O mais emblemático é que muitos desses militares, enquanto conspiravam, estavam cobertos por seus uniformes, símbolos da República que os sustenta. É como se o capitão da nau resolvesse abrir um buraco no casco, imaginando que o comando o imunizaria do afogamento. Ora, a Constituição é o casco. Sem ela, não há pátria, não há hierarquia, não há República.
No final, talvez o que reste para esses homens não seja a glória do patriotismo, mas a memória do fracasso. Pois, ao contrário do que pensavam, não estavam acima da lei, e sim abaixo dela, junto de todos nós, cidadãos. Que a justiça seja feita, mas que também seja pedagógica: nenhum golpe, por mais disfarçado de patriotismo, sobreviverá quando confrontado pelo peso da Constituição e pelo poder do povo.
A análise da posição do ministro da Defesa, José Múcio, de afastar as Forças Armadas das investigações e denúncias sobre os planos de golpe que incluíam a possibilidade de assassinatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice-presidente Geraldo Alckmin, pode ser abordada sob diversos ângulos jurídicos e institucionais. A seguir, apresento os principais fundamentos que demonstram por que essa postura é equivocada e como ela suscita a necessidade de uma revisão mais ampla sobre o papel das Forças Armadas na democracia brasileira.
1. Princípio da Legalidade e Dever de Cooperação com a Justiça
O artigo 37 da Constituição Federal determina que a administração pública, incluindo as Forças Armadas, deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Nesse sentido, qualquer tentativa de obstruir ou limitar investigações relacionadas a possíveis crimes, especialmente os de natureza gravíssima como tentativa de golpe de Estado e homicídio, afronta o dever constitucional de cooperação das instituições com o sistema de justiça.
As Forças Armadas, como instituições permanentes do Estado, têm o dever de se submeter ao império da lei e colaborar plenamente com as autoridades investigativas, sejam elas do Poder Judiciário, Ministério Público ou Polícia Federal. O afastamento de militares suspeitos de envolvimento nesses crimes não pode ser interpretado como uma tentativa de “proteger a instituição”, mas sim como um passo necessário para preservar sua credibilidade.
2. Controle Civil sobre as Forças Armadas
A Constituição, em seu artigo 142, estabelece que as Forças Armadas estão subordinadas ao poder civil, representado pelo presidente da República como comandante supremo. Isso significa que cabe ao governo civil, com o apoio de órgãos de controle como o Congresso Nacional e o Judiciário, garantir que as Forças Armadas atuem exclusivamente dentro de sua função constitucional: a defesa da pátria, a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
A tentativa de blindagem de militares investigados por crimes graves ameaça romper o equilíbrio institucional e o controle civil. Ela reforça uma cultura de impunidade e corporativismo, incompatível com a democracia. O histórico recente do Brasil, com eventos como os ataques de 8 de janeiro de 2023, demonstra a urgência de reafirmar a subordinação das Forças Armadas ao Estado democrático de direito.
3. Crimes Contra a Ordem Democrática e a Responsabilidade Individual
A Lei nº 13.260/2016 (Lei Antiterrorismo) e o Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001/1969) tipificam crimes que ameaçam a ordem democrática, como conspiração, motim e outros atos de insubordinação. Esses crimes são puníveis independentemente da patente ou cargo de quem os pratica.
Além disso, a responsabilidade criminal é individual. Proteger uma instituição, como as Forças Armadas, não pode servir de justificativa para impedir que seus membros sejam investigados e, se necessário, responsabilizados por atos ilícitos. O afastamento de militares das apurações cria um perigoso precedente que enfraquece o princípio de que todos são iguais perante a lei (art. 5º, caput, CF).
4. Necessidade de Reforma e Revisão do Papel das Forças Armadas
A postura de José Múcio revela uma falha estrutural no entendimento do papel das Forças Armadas em regimes democráticos. Desde a redemocratização, o Brasil não implementou reformas profundas para redefinir o papel político das Forças Armadas.
Países que passaram por períodos de regimes autoritários, como Argentina e Chile, realizaram reformas institucionais abrangentes para assegurar o alinhamento das Forças Armadas com a democracia. No Brasil, entretanto, a ausência de medidas estruturantes perpetua uma relação ambígua e, em alguns casos, promíscua entre militares e política.
5. Conclusão e Propostas
A tentativa de afastar as Forças Armadas das investigações sobre um possível plano de golpe é equivocada tanto do ponto de vista jurídico quanto institucional. Ela desconsidera o dever constitucional de colaboração com a justiça, enfraquece o controle civil sobre as instituições militares e perpetua uma cultura de impunidade.
Para superar essa crise e evitar situações semelhantes no futuro, são necessárias ações concretas, como:
1. Reforma do artigo 142 da Constituição para eliminar ambiguidades sobre o papel das Forças Armadas.
2. Educação em direitos humanos e democracia para militares em todos os níveis.
3. Fortalecimento de mecanismos de controle civil, incluindo maior fiscalização pelo Congresso Nacional.
4. Criação de uma Comissão de Verdade Militar para revisar práticas e doutrinas que possam ser incompatíveis com os valores democráticos.
O compromisso com a justiça e a transparência é essencial para fortalecer a democracia brasileira e garantir que as Forças Armadas sirvam ao Estado de Direito, e não a interesses corporativistas ou autoritários.
Descrição dos envolvidos na investigação sobre a trama golpista de 2022
Militares e Reservistas das Forças Armadas
1. Ailton Gonçalves Moraes Barros – Capitão reformado do Exército; trocou mensagens com Walter Braga Netto sobre os planos golpistas.
2. Alexandre Castilho Bitencourt da Silva – Coronel do Exército; suspeito de articular uma carta pressionando a cúpula das Forças Armadas a apoiar um golpe contra Lula.
3. Anderson Lima de Moura – Coronel do Exército; também envolvido na articulação da carta golpista.
4. Carlos Giovani Delevati Pasini – Coronel da reserva; outro articulador da carta golpista, segundo a PF.
5. Cleverson Ney Magalhães – Coronel do Exército; participou de discussões sobre o apoio militar ao golpe.
6. Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira – General do Exército e chefe do Comando de Operações Terrestres; teria consentido com o uso das Forças Especiais no golpe.
7. Fabrício Moreira de Bastos – Coronel do Exército e adido militar em Israel; participou do planejamento do golpe.
8. Guilherme Marques de Almeida – Tenente-coronel do Exército; ex-comandante de operações psicológicas, suspeito de planejar o golpe.
9. Hélio Ferreira Lima – Tenente-coronel do Exército; mantinha arquivos estratégicos do golpe e participou de ações contra as urnas eletrônicas.
10. Laercio Vergilio – Coronel da reserva; incitou o golpe e defendeu a prisão de Alexandre de Moraes.
11. Mario Fernandes – General do Exército e ex-secretário executivo; descrito como um dos militares mais radicais, elaborou planos que incluíam assassinatos para impedir a posse de Lula.
12. Nilton Diniz Rodrigues – General do Exército; investigado por envolvimento na tentativa de golpe.
13. Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira – Ex-comandante do Exército e ministro da Defesa; discutiu a minuta golpista e sustentou o discurso de fraude eleitoral.
14. Rafael Martins de Oliveira – Major em 2022, agora tenente-coronel; participou de reuniões e mobilizou manifestações golpistas.
Ex-integrantes do Governo Bolsonaro e Assessores Próximos
1. Augusto Heleno Ribeiro Pereira – Ex-ministro do GSI; supostamente integrava o “núcleo de inteligência paralela” que planejava o golpe.
2. Mauro Cesar Barbosa Cid – Tenente-coronel e ajudante de ordens de Bolsonaro; delatou reuniões sobre o golpe com chefes militares.
3. Filipe Garcia Martins – Ex-assessor para Assuntos Internacionais; apresentou a minuta golpista a Bolsonaro e participou de reuniões estratégicas.
4. Anderson Gustavo Torres – Ex-ministro da Justiça; omisso nos ataques de 8 de janeiro, também é associado a documentos golpistas encontrados em sua casa.
5. Tércio Arnaud Tomaz – Ex-assessor de Bolsonaro e suposto líder do “gabinete do ódio”.
6. Walter Souza Braga Netto – General e ex-vice na chapa de Bolsonaro; reuniu apoiadores em sua casa para discutir os assassinatos de Lula, Alckmin e Moraes.
Empresários, Advogados e Civis Envolvidos
1. Amauri Feres Saad – Advogado; participou da elaboração da minuta golpista a pedido de Bolsonaro.
2. José Eduardo de Oliveira e Silva – Padre; atuou no núcleo jurídico do esquema golpista e em redes de fake news.
3. Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho – Empresário; neto do último presidente militar, usou a Jovem Pan para divulgar discursos golpistas.
Outros Envolvidos em Redes de Espionagem e Fake News
1. Alexandre Ramagem – Ex-chefe da Abin e deputado federal; acusado de liderar um esquema paralelo de espionagem.
2. Marcelo Bormevet – Policial Federal; ligado ao “gabinete do ódio” e investigado por espionagem.
3. Giancarlo Gomes Rodrigues – Subtenente; envolvido com a “Abin paralela”.
4. Wladimir Matos Soares – Policial federal; passou informações sobre a segurança de Lula durante a transição de governo.
Financiadores e Influenciadores
1. Carlos Cesar Moretzsohn Rocha – Engenheiro e líder do Instituto Voto Legal; apoiou o discurso de vulnerabilidade das urnas.
2. Valdemar Costa Neto – Presidente do PL; financiou ações judiciais e estratégias para endossar teorias de fraude eleitoral.
3. Fernando Cerimedo – Influenciador argentino; disseminou desinformação sobre fraude eleitoral no Brasil.
Jair Messias Bolsonaro
O ex-presidente é apontado como o principal articulador da trama golpista, envolvendo chefes militares e civis para impedir a posse de Lula e instaurar um regime de exceção.