O Poder Moderador do STF: O Guardião Silencioso da Democracia

Há um velho ditado político que diz: “Em tempos de crise, os poderes se revezam.” E talvez nunca uma frase tenha se aplicado com tanta clareza ao papel que o Supremo Tribunal Federal (STF) vem desempenhando nos últimos anos, na complexa dança da política brasileira. Em meio à turbulência, ao embate constante entre Executivo, Legislativo e Judiciário, o STF se firmou, muitas vezes, como o poder moderador, uma espécie de árbitro das tensões entre os outros poderes.

O termo “poder moderador” carrega uma carga histórica no Brasil. Remete ao império, quando Dom Pedro II, por meio de sua prerrogativa imperial, media as disputas entre as diversas facções políticas, mantendo um equilíbrio frágil, mas essencial para o funcionamento do sistema. Hoje, em um regime republicano, o conceito de moderador não está mais nas mãos de uma figura monárquica, mas sim nas de uma corte constitucional. E, de fato, o STF vem desempenhando esse papel de forma crescente, especialmente em tempos de polarização e desconfiança nas instituições.

Nos últimos anos, a crise política brasileira se intensificou, com os poderes em uma batalha constante por espaço e por poder. O Executivo, com sua retórica agressiva e decisões muitas vezes controversas, frequentemente entrou em rota de colisão com o Legislativo, que por sua vez, se dividiu entre alianças frágeis e interesses conflitantes. No meio disso tudo, o STF foi chamado a mediar, interpretar e garantir que as regras do jogo democrático fossem seguidas. Em certo sentido, a corte se tornou a última linha de defesa contra o autoritarismo, a desinformação e a erosão das liberdades.

Este papel de mediador se revelou, por exemplo, quando o STF decidiu, em 2020, garantir a autonomia dos estados e municípios no enfrentamento da pandemia de COVID-19, enquanto o governo federal insistia em posturas minimamente interventoras e negacionistas. O tribunal, ao reconhecer a importância da federalismo e da liberdade dos entes federativos para adotar medidas de saúde pública, tomou uma decisão que, embora polêmica para alguns, foi essencial para proteger a vida e a democracia. Nesse momento, o STF se tornou a válvula de escape para uma tensão política que ameaçava desestabilizar a ordem pública.

Da mesma forma, o Supremo se viu no centro das discussões sobre liberdade de expressão, fake news e ataques às instituições. Quando as redes sociais se tornaram um terreno fértil para a disseminação de informações falsas e discursos de ódio, o STF foi incumbido de garantir que a Constituição fosse cumprida, agindo contra quem tentava fragilizar a democracia. Sua postura firme em punir disseminadores de fake news, por mais que tenha gerado críticas de setores conservadores, reflete a sua função de moderador — não em silenciar o debate, mas em proteger os valores democráticos contra distorções perigosas.

Mas a atuação do STF também tem sido criticada, principalmente quando suas decisões são vistas como excessivas ou como uma interferência no âmbito de outros poderes. Em um país com uma cultura política tão polarizada, as ações da corte muitas vezes são vistas com desconfiança, como um sinal de que o Judiciário estaria ultrapassando seus limites constitucionais. E essa tensão não é à toa: quando um poder se torna excessivamente proeminente, o risco de deslegitimação também aumenta.

No entanto, é importante reconhecer que o STF não age em um vácuo. Suas decisões, embora frequentemente contenciosas, surgem de um contexto em que os outros poderes nem sempre conseguem manter a calma ou o distanciamento necessários para que a democracia sobreviva intacta. Quando a Constituição é violada ou quando as ameaças à ordem democrática se tornam reais, o STF tem mostrado disposição para intervir, como se fosse um árbitro em um jogo onde as regras precisam ser reafirmadas a todo momento.

A atuação do Supremo é, portanto, como a de um moderador, que não impõe sua vontade, mas age para garantir que o jogo se jogue dentro das regras estabelecidas. Não é uma atuação passiva, nem tampouco autoritária, mas uma atuação vigilante, ciente de que a proteção da Constituição e das liberdades públicas é mais importante do que qualquer interesse partidário ou de curto-prazismo político.

Em um Brasil onde a política é volátil e, por vezes, se torna um campo de batalha de narrativas polarizadas, o STF, com sua postura de guardião da Constituição, assume a difícil missão de garantir que a democracia não sucumba às intempéries. Sua presença como poder moderador, muitas vezes silenciosa e discreta, mas também firme e necessária, mostra que, em tempos de crise, o papel de moderar as tensões pode ser mais vital do que jamais imaginamos.

João Guató

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