O Punhal Desembainhado
Na penumbra do amanhecer, antes mesmo de o sol se esgueirar pelas frestas da janela, um punhal verde e amarelo tremulava silencioso, carregado de intenções que nunca pediram licença à Democracia. No centro desse enredo kafkiano, os “kids pretos”, não mais crianças, mas homens fardados, brincavam de golpe de Estado como quem joga dama com pedras roubadas do tabuleiro da justiça.
Militares das forças especiais, outrora heróis de guerras silenciosas, agora arquitetavam tragédias barulhentas. Enquanto o café esfriava nas xícaras das repartições, planos eram digitados em mensagens criptografadas, discutidos em aplicativos cujo nome soava como senha de espião de cinema: Signal. Codinomes exaltavam nações — Alemanha, Áustria, Japão —, mas a brasilidade que carregavam tinha mais de conspiração do que de carnaval.
O que se passou na mente do general Mario Fernandes quando imprimiu aquele plano no Palácio do Planalto? Talvez acreditasse que a tinta oficial transformava crimes em bravatas. Sob o título “Punhal Verde e Amarelo”, brotava o tipo de literatura que nem Kafka ousaria rascunhar. Um script que misturava lança-granadas com envenenamento estratégico, batizando alvos com nomes prosaicos: Jeca, Joca e Juca. Não era um folhetim policial. Era a distopia sendo escrita com a precisão de um manual de operação militar.
E o que dizer do diálogo nos estacionamentos? Um “Tô na posição”, seguido de um “Abortar… volta para o local de desembarque”. Parecia uma cena de filme de ação mal roteirado, onde os vilões se atrapalham mais do que os mocinhos. Mas ali não havia glamour de Hollywood. Havia, sim, o potencial para tragédias reais, dessas que fazem a democracia cambalear, mas nunca cair de vez.
Na mesa do ministro Alexandre de Moraes, as evidências se empilhavam: mensagens, rastros digitais, chips de celulares registrados em nomes de terceiros, locações de veículos. Cada papel, cada arquivo recuperado era um tijolo a mais no muro da verdade, que os investigados tentavam escalar com as unhas sujas de clandestinidade.
Os “kids pretos” foram pegos. Não em campo de batalha, mas em sua própria rede de paranoias e arrogâncias. Talvez ainda acreditem que o verde e amarelo lhes dá salvo-conduto para ações que subvertem a própria pátria que juraram defender. Ironia das grandes: enquanto pensavam ser estrategistas de um novo Brasil, tornaram-se apenas notas de rodapé na história.
Na manhã dessa terça-feira, a Operação Contragolpe mostrou que o punhal foi desembainhado, mas ficou cego. Não cortou as amarras da democracia. Apenas revelou o quão longe alguns são capazes de ir quando se perdem na escuridão de suas ideologias. O que resta agora é a luz do sol — esse juiz implacável que, mais cedo ou mais tarde, ilumina até os cantos mais obscuros de qualquer conspiração.
O grupo que trocou as estrelas do uniforme por sombras no currículo. Entre eles, Mario Fernandes, um general de brigada da reserva, com uma carreira que o levou do campo de treinamento ao coração do poder. Foi secretário-executivo da Presidência no governo Bolsonaro, uma posição estratégica onde se ouve mais do que se fala. E ele ouviu, muito. Talvez mais do que deveria.
Do lado dele, Helio Ferreira Lima, tenente-coronel, um sujeito acostumado a coordenar, organizar, pensar a frente. Certamente alguém que entende de mapas, de estratégias, de logística. Talvez não tenha imaginado que, um dia, ele mesmo seria mapeado e rastreado.
Já os dois majores — Rodrigo Bezerra Azevedo e Rafael Martins de Oliveira — têm outra pegada. São a força executora, braços treinados para agir sem hesitação. Rafael, ao que parece, era mais do que um simples executor: era apontado como o cérebro operacional do plano. Major por formação, estrategista por ambição, líder por convicção própria.
Por fim, Wladimir Matos Soares, policial federal. Um homem que, ao vestir o distintivo, assumiu um compromisso com a lei. Mas, pelo que se apurou, resolveu torcê-la, ou dobrá-la ao seu favor. Um elo inesperado entre a legalidade e o desejo de subvertê-la.
Todos eles, ao que parece, queriam reescrever as regras do jogo. Homens com histórias, medalhas, famílias. Homens que conheceram a linha fina que separa o dever da obsessão. Passaram do lado de lá.