O Saber que Mora na Boca

Há uma sabedoria que só o tempo revela, uma que não vem nos livros nem nas lições ensinadas por olhos atentos e cérebros ávidos. É uma sabedoria que se instala na boca, mansinha, como quem não quer nada, e ali fica, esperando a hora certa de se revelar. 

O velho, em sua suave loucura, percebeu isso. Um dia, cansado das armadilhas do olhar, que tanto se esforçava para entender o mundo, decidiu que já era hora de mudar. Deixou de olhar para ver e passou a pensar para sentir. A boca, tão subestimada em suas potências, tornou-se o novo centro do saber. 

Primeiro veio o café. Não era o café apressado da juventude, engolido entre compromissos, mas aquele café coado com paciência, que enche a cozinha de aroma e conversa. Ao provar, o velho entendeu: o pensamento também pode ser quente e simples, como um gole de café feito em casa. 

Depois vieram os frutos. A manga madura, escorrendo pelos dedos, ensinava que o conhecimento não precisa ser contido, que pode escorrer e manchar a roupa, porque viver é assim mesmo, um pouco de desordem e doçura. 

E havia, é claro, as palavras. Ditas devagar, bem mastigadas, para que o sabor do diálogo durasse mais. Palavras que não tinham a rigidez das certezas, mas o frescor das dúvidas, o prazer das descobertas. O velho falava com os netos, com os amigos, com as estrelas. Não para explicar, mas para compartilhar o gosto que a vida deixou na ponta da língua. 

Pensar com a boca era libertador. Já não precisava buscar sentido em tudo; bastava sentir. Era a filosofia do sabor: sabedoria aprendida nos pequenos gestos do cotidiano, nos momentos em que o tempo parecia suspenso. 

Na pedagogia do sabor, o velho encontrou um novo jeito de habitar o mundo. Não mais o mundo do olho, que separa e define, mas o mundo da boca, que acolhe e transforma. E, ao ensinar com o sabor do pão fresco e a textura da conversa boa, ele também aprendeu que o verdadeiro prazer está em repartir. 

Assim, cada refeição se tornava um ato de amor, cada palavra uma oportunidade de educar. E o velho, em sua loucura doce, seguia mastigando o mundo, não para devorá-lo, mas para saboreá-lo com cuidado. Porque, afinal, é na boca que mora o verdadeiro saber.

João Guató

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