O Sensível Demais: um cara egocêntrico
Por Marinaldo Custódio
Falo do sensível demais já antepondo o artigo definido para não deixar nenhuma dúvida: falo de indivíduos do sexo masculino que, até onde se sabe, não são gays. São sensíveis demais, e ponto! Não incluo aqui as mulheres nem os gays, pois nesses a matéria-prima sensibilidade já se pressupõe e espera como algo natural, universalmente desejado e aceito pela maioria.
O sensível demais, imortalizado entre nós pela canção de Jorge Vercillo nas vozes de Christian e Ralf, é um cara basicamente egocêntrico, um tanto quanto encalacrado, introvertido, que se magoa fácil e não esquece fácil a mágoa. É alguém que chora por amor e se incomoda demasiado consigo e com o papel que desempenha (ou deixa de desempenhar) no mundo. E, logo, se ele se importa tanto com ele mesmo, também vive incomodado com aquilo que os outros, e as outras, pensam e dizem e sentem por ele.
Na grande literatura, ele sobra: vai do belo e sedutor Julien Sorel, de Stendhal, ao não tão belo mas inteligentíssimo e “moralmente superior” Rodion Raskolnikov, de Dostoievski, e deste ao Bel-Ami (Georges Duroy), de Maupassant. A sensibilidade deles, movida por atos de coragem e orgulho ferido diante dos golpes do destino, leva-os a desenvolver uma ambição desmedida por status social e uma afiada consciência de sua superioridade sobre os demais, por isso se sentem tão injustiçados. Talvez, afinal, levem na alma a certeza da promessa de Cristo expressa no monumental Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos.”
Na literatura atual, também ele está presente, como no caso de “Talvez Uma História de Amor”, do francês Martin Page, em que o protagonista Virgile não sabe viver um dia sem as mulheres, mas também não sabe viver com elas. Depois de abandonado por uma, logo conquista uma nova namorada e logo é de novo dispensado. Por isso, inclusive, tem uma psicanalista, a quem, em sessões com hora rigorosamente marcada, extravasa suas angústias e dores. O caso presente [do romance] é emblemático, pois a moça Clara o deixou por meio de mensagem na secretária eletrônica e ele nem sequer lembra quem é essa Clara! Por essas e outras, é o assunto favorito de muita gente ao seu redor: “A vida sentimental de Virgile era um belo tema na conversa de seus amigos. A notícia do fim do seu não caso de amor lhes daria assunto para muitas noites.”
Falando do sensível demais, não poderia esquecer os casos mais tocantes, como os daqueles amantes à moda antiga de que falam Roberto e Erasmo em sua canção, daqueles que ainda mandam flores à amada, acompanhadas do indispensável cartão com uma singela dedicatória, fora aqueles outros que passam tardes inteiras deitados no ladrilho da varanda da fazenda, à beira de um lindo lago, ouvindo Roberto Carlos ou Taiguara cantando o amor sem limite. Sem medo da depressão. E, ainda, daqueles outros que, assim como as misses de concurso de miss, têm sempre à cabeceira “O Pequeno Príncipe”, de Saint-Exupéry. E que, volta e meia, em suas conversas, voltam a citar a mais proverbial das tantas falas proverbiais da obra: “Tu te tornas eternamente responsável por tudo o que tu cativas, me cativastes e agora és responsável por mim… pois o tempo e o carinho que dedicas a mim é o que mostra o quanto sou importante para você.”
Para alguns, obviamente, se trata de um fresco. Um exemplo rematado e definitivo de fresco. Mas não, não, alto lá! Não! De minha parte, prefiro continuar acreditando que o sensível demais (que também já fui um dia, afinal) é apenas um tipo de homem – e um tipo dos mais sedutores, diga-se. Egocêntrico, chato tantas vezes, mas sedutor. Talvez, no fim das contas, ele seja apenas aquele cara que aspira a ser sempre do bem e que às vezes para e fica a pensar e passa horas diante do espelho procurando imperfeições em seu rosto, um corte impossível que combine com o cabelo, e, com vincos mil na testa, fica a se perguntar: afinal, o que pensa o mundo de mim? O que pensa e sente o mundo por mim, bicho do mundo tão pequeno que vive sempre a mendigar, vida afora, o sorriso de uma criança, a atenção do velhinho, um olhar de compreensão dos homens e o amor de uma mulher? As mulheres e o infinito amor. Ah, essas mulheres! Se soubessem! Ah, se pelo menos elas soubessem…
MARINALDO CUSTÓDIO, escritor e mestre em literatura brasileira pela Universidade Federal Fluminense (UFF), prepara novo livro de crônicas para publicação