O Silêncio das Águas

Por Ozi Miranda

Em 2024, as águas do Rio Madeira, que sempre foram cantoras de histórias e tradições, calaram-se em um silêncio ensurdecedor. A seca, que se abateu sobre a região como um manto pesado, trouxe à tona não apenas pedras há muito escondidas, mas também a dura realidade dos povos ribeirinhos que habitam suas margens. Nunca antes na história daquelas águas se viu uma crise tão devastadora.

As pedras, agora expostas, parecem testemunhas mudas de um tempo em que o rio dançava e se movia livremente. Elas contam histórias de peixes que já não saltam e de barcos que agora se encontram encalhados em bancos de areia. Esses barcos, que antes eram símbolos de vida e movimento, tornaram-se prisões flutuantes, limitando o acesso a recursos vitais e à própria liberdade de ir e vir.

A pesca, a essência da subsistência ribeirinha, está ameaçada. A falta de água fez com que os peixes desaparecessem, levando consigo a esperança de muitas famílias. Os rostos dos ribeirinhos refletem uma angústia palpável; o sofrimento é visível em cada olhar perdido em direção ao leito seco do rio. O dia a dia se tornou uma luta constante contra a escassez alimentar, onde a incerteza se tornou a única companheira.

As viagens, que antes eram longas jornadas repletas de encontros e risadas, agora são apenas ecos distantes. O comércio murchou; a troca cultural entre comunidades foi interrompida. E quando cai a noite, o que deveria ser um tempo de descanso e reflexão transforma-se em um momento de medo. A navegação noturna foi suspensa em muitos trechos; os riscos aumentam como sombras nas águas escuras.

O futuro do povo ribeirinho se desenha incerto como as nuvens que não trazem chuva. Sem intervenção urgente, muitos podem ser forçados a deixar suas casas em busca de alternativas nas cidades distantes. A migração pode significar não apenas a perda do sustento, mas também da identidade cultural que esses povos carregam com tanto orgulho.

A seca do Rio Madeira não é apenas uma questão ambiental; é uma crise humanitária clamando por atenção. É um grito silencioso por apoio e solidariedade — um pedido para que não deixemos essas comunidades à deriva. Que possamos nos unir para garantir sua segurança alimentar e preservar suas tradições.

Enquanto isso, o rio continua seu lamento silencioso, esperando dias melhores e chuvas generosas que possam trazer de volta o brilho das águas e a vida pulsante das margens. Que possamos ouvir esse chamado e agir antes que o silêncio se torne definitivo.

João Guató

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