O Som da Revolução: O Futuro de Jolani e a Síria

Damasco respira um ar carregado de esperanças e incertezas. As ruas, antes desertas pela guerra, agora vibram com um grito de liberdade abafado, mas carregado de uma convicção inegável. Abu Mohammad al-Jolani, líder da HTS, caminha em direção à Mesquita das Omíadas, o local que, para muitos, simboliza a queda de uma era. Com o rosto grave e a farda militar substituindo o turbante jihadista, Jolani não parece mais o radical de outrora. Agora, ele é visto como o novo protagonista da Síria, o homem que pode transformar a revolução em um novo começo ou, talvez, em uma continuidade de um ciclo de autoritarismo.

A multidão o recebe com um fervor inusitado, gritos de “Deus é grande” ecoam pelas paredes da antiga mesquita, agora tomada pela figura de um líder que, por tanto tempo, se manteve nas sombras. Mas, quem é realmente esse homem que aparece tão decisivo diante da história? Quem é o líder que tomou Aleppo, que vê em Damasco o palco de sua mais nova vitória? E, principalmente, quem será o governante da Síria nos dias seguintes à queda do regime de Bashar al-Assad?

Jolani, que agora usa seu verdadeiro nome, Ahmed al-Sharaa, parece distante do homem que, há uma década, se uniu à Al Qaeda e fundou a Jabhat al-Nusra, braço sírio da organização terrorista. Ele já não usa os adornos tradicionais dos jihadistas, e sua retórica, antes inflamada pela radicalização, agora soa mais moderada. Desde 2016, quando rompeu com a Al Qaeda, ele se posiciona como um líder pragmático, alguém que sabe que não pode governar a Síria com os mesmos métodos que o tiraram do jogo internacional. Ele é, de certo modo, o retrato de uma revolução que amadureceu, mas que também carrega os ecos de um passado radical difícil de apagar.

Mas, enquanto o mundo observa com um olhar atento e cauteloso, o futuro do país permanece incerto. A Síria, agora sem Assad, é uma terra dilacerada, fragmentada por facções que se disputam o poder e por uma população que, embora exultante com a queda do regime, se questiona sobre o que vem a seguir. O HTS, apesar de suas vitórias, não é um grupo homogêneo. Sua coalizão inclui diversas milícias com ideologias divergentes, e isso pode se tornar um obstáculo maior do que a própria batalha contra Assad.

O que acontece agora no campo político sírio é uma dança delicada. Daraa, berço da revolta de 2011, é tomada por um grupo dissidente, o que reflete a falta de unidade entre as forças rebeldes. Aleppo, tomada recentemente, simboliza tanto uma conquista quanto um desafio, pois é um território de disputas complexas entre os diversos grupos que lá se encontram. E no nordeste, onde os curdos mantêm o controle, a tensão com a Turquia, que apoia a HTS, continua a se intensificar. Para Jolani, governar a Síria significa navegar por um labirinto de alianças frágeis, de inimizades históricas e de um tecido social estilhaçado.

A Turquia, que ao longo da guerra apostou suas fichas no levante liderado por Jolani, agora observa com olhos atentos o futuro do líder rebelde. Erdogan, que vê no PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) um inimigo mortal, não tem nenhuma simpatia pelas forças curdas que dominam o nordeste da Síria, mas sua relação com Jolani é mais pragmática do que ideológica. Ele já apoiou o HTS, mas a ascensão de Jolani ao poder pode criar novos desafios, especialmente se ele precisar administrar uma Síria com múltiplas facções e interesses conflitantes.

A relação entre a HTS e os curdos é uma das mais delicadas. A guerra contra Assad, que uniu forças tão distintas, agora está prestes a se fragmentar em uma série de disputas regionais. O poder de Jolani, que parece consolidado em algumas regiões, precisa ainda conquistar os corações e mentes de todos os sírios. A pergunta é: até onde ele será capaz de ir para manter a coesão de um país tão marcado pela violência e pela desconfiança?

O que se desenha no horizonte sírio é uma revolução com cara de futuro incerto. Jolani pode ser o homem da vitória, mas será ele o homem da paz? A Síria, com suas cicatrizes profundas e uma sociedade dividida, precisa de mais do que um novo líder. Precisa de reconciliação, de justiça e, principalmente, de uma nova ordem que preserve a diversidade e proteja as minorias que tanto sofreram ao longo da guerra.

Enquanto a mesquita das Omíadas ecoa com a celebração do triunfo, o peso da responsabilidade recai sobre os ombros de Jolani. Ele pode ter vencido a guerra contra Assad, mas agora é a guerra pela Síria que se impõe. A revolução, que parecia ter sido apenas sobre a queda de um regime, se transforma agora na construção de um novo país. O futuro de uma nação inteira está, agora, nas mãos de um homem que, até ontem, era visto apenas como um radical – e que, hoje, é o símbolo de uma revolução com muitos rostos e poucas certezas.

João Guató

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