O Zumbido da Fúria

Por João Guató

Naqueles dias abafados de um Brasil encurralado entre o calor e a expectativa de uma nova era, o inesperado se desenrolava em uma pequena cidade do interior. As notícias se espalhavam com a velocidade do vento, e uma história, no mínimo peculiar, começava a ser contada em sussurros e risos nervosos.

O ataque de abelhas ao presidente Bolsonaro tinha algo de épico, quase mitológico, que o transformava em uma lenda instantânea. As abelhas, seres pequenos e aparentemente inofensivos, haviam feito a incursão de sua própria maneira de esculpir um destino que ninguém havia previsto.

Foi no intervalo de uma manhã tranquila, sob o sol escaldante e a sombra dos eucaliptos, que o zumbido começou. Era um som sinistro, uma trilha sonora de um drama que estava prestes a se desenrolar. O presidente, conhecido por sua postura intransigente e por uma aura de invulnerabilidade que parecia imune a qualquer obstáculo, estava dando uma entrevista ao ar livre quando as abelhas decidiram interromper o evento. Como se obedecessem a uma força maior, elas atacaram em massa, uma nuvem dourada de vingança.

O que ninguém sabia era que, em cada picada, havia um pedaço de um mito antigo. Nas tradições indígenas, acreditava-se que as abelhas eram os guardiões do equilíbrio natural, criaturas que puniam os transgressores e restauravam a ordem. Quando a natureza se sentia ameaçada, elas tomavam para si a responsabilidade de corrigir os rumos, enviando sinais que só os sábios poderiam interpretar.

Na China e na Rússia comunistas, as abelhas adquiriram um simbolismo ainda mais intrigante. Para o regime comunista chinês, as abelhas eram vistas como símbolos de diligência e coletivismo. O trabalho incessante das abelhas no processo de polinização era muitas vezes comparado à ética de trabalho da classe operária sob o regime, sendo exaltadas como exemplos de produtividade e sacrifício pelo bem comum. Em cartazes e propaganda, as abelhas apareciam frequentemente como ícones da harmonia social e da cooperação, refletindo a tentativa do governo de moldar uma sociedade uniforme e eficiente.

Na Rússia soviética, as abelhas tinham um significado semelhante, porém com uma pitada de propaganda sobre a coletivização forçada. As abelhas, com seu trabalho incessante e hierarquia rígida, eram usadas como uma metáfora para a necessidade de disciplina e ordem. As colmeias eram vistas como representações de um ideal socialista, onde cada indivíduo, como uma abelha, deveria trabalhar para o coletivo, mantendo a ordem e contribuindo para o progresso da nação.

A cena era quase surreal: o presidente, com seu semblante normalmente implacável, agora contorcido de dor e surpresa, corria em círculos, buscando abrigo enquanto as abelhas persistiam. A comédia trágica do momento tinha uma aura de fábula, quase como se o universo estivesse dando uma lição em humildade.

O ataque foi rapidamente controlado, e a mídia, sempre ávida por uma nova história, não perdeu tempo em transformar o episódio em um espetáculo de grande audiência. Entre a perplexidade e o divertimento, os comentaristas começaram a tecer teorias e mitos. Algumas vozes falavam de um aviso divino, outras de um ajuste cósmico de contas. A verdade parecia ser um mistério tão intricado quanto o próprio ataque das abelhas.

Dentre as explicações, surgiram histórias que contavam sobre como as abelhas representavam a sabedoria da natureza, como se tivessem enviado uma mensagem para que os líderes se reconectassem com o mundo ao seu redor e reavaliassem suas posturas. Outros acreditavam que o ataque era uma metáfora para a resistência popular contra injustiças, com as abelhas sendo um símbolo da pequena, mas poderosa, força da indignação coletiva.

No entanto, há uma dimensão teológica que merece ser explorada. Em muitas tradições, as picadas de abelha carregam um simbolismo profundo. Para aqueles que assumem posturas misóginas, racistas e fundamentalistas, as abelhas podem ser vistas como um símbolo de uma maldição divina ou da justiça cósmica. Na teologia, os insetos, com sua habilidade de infligir dor e desconforto, são muitas vezes interpretados como agentes de correção moral.

As picadas, então, podem ser vistas como uma manifestação do descontentamento da criação diante da injustiça e da opressão. A teologia pode sugerir que, quando líderes ou indivíduos promovem discursos e ações que perpetuam a desigualdade, a natureza reage, utilizando esses sinais aparentemente aleatórios como uma forma de correção. O ataque das abelhas, sob essa ótica, não seria apenas um evento fortuito, mas uma forma de chamada de atenção para os desvios éticos e morais, uma tentativa de restaurar o equilíbrio onde ele foi rompido.

Ao final, o ataque de abelhas ao presidente não foi apenas um episódio peculiar, mas uma oportunidade para refletir sobre os limites da própria condição humana e sobre o papel da justiça cósmica na nossa vida. No coração do zumbido, havia uma mensagem sutil, um lembrete de que até as menores criaturas podem exercer um poder imenso, e que a natureza, com sua estranha forma de justiça, não se curva facilmente às vontades dos homens. O zumbido das abelhas, então, pode ser visto como um alerta para que se respeite a harmonia natural e se reconsiderem os valores que sustentam a ordem social e moral.

João Guató e cronista surrealista do Pasquim Teológico

João Guató

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