Os Dois Olhares do Educador 

O professor abriu a janela antes mesmo do café. A manhã ainda bocejava, preguiçosa, enquanto o céu clareava devagar, como uma aquarela que se revela aos poucos. Ele sempre gostou das manhãs. O mundo parecia novo, fresco, com o cheiro úmido das folhas e o sussurro tímido do vento. Era um olhar matinal, pensou. Um olhar que via promessas: o dia como uma página em branco, onde tudo podia ser escrito. 

Esse olhar matinal era o da esperança pedagógica, do encantamento de quem acredita na potência do primeiro passo. É o olhar que encontra nos alunos o brilho da curiosidade ainda acesa, o desejo de descobrir. É o momento em que o professor pergunta: *o que posso semear hoje? É uma epistemologia do nascer: tudo é possível, e o conhecimento é um terreno fértil esperando ser arado. 

Na sala de aula, o olhar matinal do professor transforma um conceito abstrato em uma metáfora viva, um dado estatístico em uma história pulsante. A pedagogia da manhã convida ao entusiasmo: aprender é criar, errar é explorar, e ensinar é como o sol que aquece as sementes ainda escondidas sob a terra. 

Mas o dia corre rápido, e o professor, como a própria luz, muda de tom. No fim da tarde, depois de tantas aulas, conversas, dúvidas e respostas, ele volta à janela. Agora, é o olhar crepuscular que toma conta. O céu, tingido de laranja e púrpura, tem uma beleza melancólica, que só existe porque o sol está indo embora. 

O olhar crepuscular é mais maduro. Ele não carrega as mesmas promessas do amanhecer, mas traz o peso do que foi vivido. É o momento de perguntar: o que colhi? O que deixei para trás? Pedagogicamente, é o olhar que reconhece os limites do professor. Nem tudo pode ser ensinado. Nem todas as sementes germinam no tempo que esperamos. É a epistemologia da reflexão, da aceitação de que a aprendizagem é um processo contínuo, que escapa ao controle. 

Na sala de aula, o olhar crepuscular não se desespera com os erros ou com as lições não aprendidas. Ele entende que o ensino é um ciclo, como o dia. Hoje se planta, amanhã se colhe; às vezes, apenas se observa. Esse olhar acolhe o cansaço e encontra nele uma beleza: o que foi feito, mesmo que imperfeito, ainda é parte do todo. 

Entre a manhã e o crepúsculo, o professor vive a dualidade essencial de sua prática: esperança e ponderação, início e fim, sonho e realidade. E assim, ele ensina — e aprende — que o mundo nunca é o mesmo sob diferentes luzes, mas é sempre digno de ser olhado.

A Pedagogia do Amanhecer e do Crepúsculo

Na crônica “Os dois olhares do educador” oferecemos uma reflexão profunda sobre a prática pedagógica, utilizando a metáfora do ciclo do dia — do amanhecer ao crepúsculo — para ilustrar o processo de ensino e aprendizagem. Com a crônica propomos uma análise de dois momentos distintos na jornada pedagógica de um professor, o olhar matinal e o olhar crepuscular, que capturam a tensão entre a esperança inicial e a reflexão final sobre o processo educacional. Essa análise pedagógica se desenrola em torno de temas como o encantamento pelo ensino, a importância da ação reflexiva e a aceitação da imperfeição.

1. O Olhar Matinal: A Esperança e o Potencial do Ensino

A crônica começa com uma descrição serena da manhã, associada à ideia de renovação e potencial. O “olhar matinal” do professor é descrito como cheio de esperança, de crença nas possibilidades infinitas que um novo dia traz. Em termos pedagógicos, esse momento representa a energia inicial com que o professor se relaciona com seus alunos e com o processo de ensino. A comparação do dia com uma “página em branco” sugere que, a cada manhã, o professor tem a oportunidade de semear novas ideias, despertar a curiosidade e cultivar o desejo de aprender.

Neste cenário, o ensino é visto como um ato criativo e ativo: o professor “pergunta: o que posso semear hoje?”, o que implica uma postura pedagógica aberta e disposta a investir no potencial de cada aluno. A “epistemologia do nascer”, como mencionada no texto, sugere uma visão do conhecimento como algo vivo, fértil e em constante crescimento. O ensino, neste momento, é uma prática de cultivo, e a sala de aula se torna um espaço onde as possibilidades de descoberta são infinitas. Esse olhar reflete a crença fundamental na educação como um processo contínuo e dinâmico, onde o erro não é visto como falha, mas como parte do aprendizado.

2. O Olhar Crepuscular: A Reflexão e a Aceitação dos Limites

À medida que o dia avança, com o olhar crepuscular, simbolizando o fim da jornada pedagógica e a reflexão que surge após o intenso esforço de ensinar. O “olhar crepuscular” traz consigo uma percepção mais madura, marcada pela reflexão sobre os limites das práticas educativas. O professor, ao olhar para trás, se depara com a pergunta: “o que colhi? O que deixei para trás?”, reconhecendo que nem todas as sementes germinam no tempo desejado e que nem todo conhecimento pode ser transmitido de forma imediata.

Esse momento destaca a importância da aceitação dos limites da prática pedagógica. O ensino, embora contínuo, é imprevisível, e o professor deve entender que seu papel não é controlar completamente o processo de aprendizagem, mas cultivar um ambiente propício ao crescimento. O olhar crepuscular, então, se alinha com uma “epistemologia da reflexão”, que reconhece que o ensino não é um ato de perfeição, mas de constante adaptação e evolução.

3. A Dualidade da Prática Pedagógica

Com a crônica, portanto, revelamos a dualidade essencial que permeia o trabalho pedagógico: o dinamismo entre o entusiasmo de um novo começo (o olhar matinal) e a aceitação serena da imperfeição e da transitoriedade do processo (o olhar crepuscular). A prática pedagógica, como o ciclo do dia, envolve tanto o encantamento pelo potencial do conhecimento quanto o reconhecimento da realidade concreta, em que nem todos os alunos aprenderão ao mesmo ritmo ou de forma linear.

Com essa narrativa também ressaltamos a importância de aceitar a imperfeição no processo educativo. Ao longo de sua jornada, o professor se depara com momentos de frustração, de lições não aprendidas ou de dificuldades imprevistas, mas com essa crônica sugerimos que esses momentos são parte do todo, e o cansaço e os erros carregam uma beleza própria. Esse olhar crepuscular acolhe o cansaço e a imperfeição, reconhecendo que o que foi feito, mesmo que incompleto, tem seu valor no processo contínuo de aprendizagem.

4. A Essência

Em sua essência, com essa crônica oferecemos uma reflexão sensível e poética sobre o papel do professor, enfatizando a tensão entre a esperança inicial e a reflexão final. Ao usar a metáfora do ciclo diário, nos convidamos você a considerar a pedagogia como um processo orgânico, onde o ensino é, ao mesmo tempo, um ato de criação e de aceitação dos seus limites. Em última instância, a crônica sugere que o verdadeiro trabalho pedagógico não reside apenas no sucesso imediato, mas na confiança de que, sob diferentes “luces”, a educação sempre vale a pena ser vivida e compartilhada.

A Epistemologia do Nascer

Nascer não é apenas acontecer, é uma troca entre o que não sabe e o que já está ali, esperando para ser descoberto. O conhecimento não vem de cima para baixo, como se fosse uma palavra caída do céu. Ele nasce, como a semente no chão úmido, que se abre devagar, com suas raízes buscando por algo que nem ela entende ainda. A gente aprende porque, antes de tudo, a gente se permite crescer. O que nos move é a humildade de saber que a terra, os rios, as árvores, todos já sabem o que precisamos aprender.

Crescer não é só um movimento de dentro para fora. Crescer é ser tocado pelo mundo, é se tornar parte do mundo. O conhecimento que se constrói não é estático, não é uma pedra que se coloca em cima de outra pedra. Ele é uma planta que brota e que se refaz a cada manhã. Quem nasce, aprende a andar pelas trilhas invisíveis do tempo, como quem encontra uma folha caída, como quem observa o voo de um pássaro. Não se aprende em livros, se aprende no instante, na ação de viver, que é um conhecimento sem forma, como a água, que não sabe onde começa e onde termina.

O saber não é algo que a gente apanha. Ele é o próprio caminhar, como quem anda descalço sobre a terra, sem pressa, sentindo a textura do chão que muda a cada passo. Às vezes, o conhecimento vem em forma de silêncio, de escuta. O silêncio, ah, o silêncio é o lugar onde nascem as perguntas. E as perguntas são mais importantes que as respostas, porque as respostas são como sementes lançadas ao vento — nunca sabemos onde irão cair.

Eu vi o milho nascer na roça e sei que, para que ele cresça, o solo precisa estar em comunhão com o céu, com o vento, com a chuva. Da mesma forma, o conhecimento nasce em comunhão com o inesperado, com o que a gente não entende ainda, com o que a vida vai trazendo. O saber, esse ser vivo, não nasce da pressa. Ele nasce no tempo do crescer, e o tempo do crescer é o tempo da terra, do vento, da água, da quietude.

Nós, os que estamos sempre nascendo, sempre nos tornando, não somos donos do conhecimento. Somos, sim, seus cuidadores. Cada pedacinho de saber é uma folha que se abre no galho de uma árvore, e a árvore, com seus galhos, ensina que o saber é vasto, que ele não se acaba nunca, que sempre há algo a mais para ser descoberto.

E, talvez, seja isso o mais belo da epistemologia do nascer: o conhecimento não tem fim. Ele é como o dia que amanhece, como o rio que segue correndo para o mar, como o pássaro que voa e não sabe que voa. É algo que se vai construindo enquanto se vive, com o toque das mãos na terra, com o olhar atento às minúcias da vida. Aprender é um ato de confiança, como confiar na chuva que cai e no sol que aparece, sem que a gente precise pedir.

O saber não é uma corrida, é uma dança, uma dança lenta, sem pressa. Uma dança que ensina que, ao nascer, ao aprender, nós somos um pouco mais do que éramos antes. Como o milho que cresce no campo, o saber se transforma, se alimenta, se expande. E nós, que nascemos e aprendemos, somos a própria terra onde ele se espalha, sem fim, sem pressa.

João Guató

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