Poeira nos Sapatos da Igualdade

Se a desigualdade racial no Brasil fosse uma estrada, já teríamos percorrido uns bons quilômetros, mas o destino – a tal da igualdade – parece continuar lá, distante, perdido no horizonte. Mesmo com a economia dando sinais de que está voltando ao trilho, os números não deixam mentir: a poeira da exclusão ainda se acumula nos sapatos da maioria da população. 

Peguemos o exemplo dos rendimentos. O IBGE nos escancara uma realidade que, para muitos, é só mais um dado; para outros, é o dia a dia. O trabalhador negro, aquele que sai de casa com o sol ainda espreguiçando, ganha, em média, 40% menos que um trabalhador não negro. Agora, imagine você percorrer toda a vida laboral carregando um fardo de R$ 899 mil a menos nos ombros. É isso mesmo: quase um milhão de reais de diferença. 

E se esse trabalhador negro tiver ensino superior? A promessa de ascensão social pelo estudo se concretiza? Bem, melhora um pouco, mas a desigualdade não some. Os negros com diploma ganham 32% a menos que os colegas não negros com a mesma qualificação. É como se, na largada, a corrida começasse com eles já alguns metros atrás. A Lei de Cotas, apesar de fundamental, ainda não conseguiu reescrever essa história. 

Quer ser líder? Sonho de muitos, mas privilégio de poucos. Apenas um em cada 48 homens negros ocupa um cargo de liderança. Entre os não negros, a chance é quase três vezes maior: um em cada 18. Nas profissões mais bem remuneradas, os negros ocupam 27% das vagas; já nas de menor salário, eles são maioria esmagadora – 70%. 

E, como se não bastasse, a situação das mulheres negras é ainda mais preocupante. Uma em cada seis trabalha como empregada doméstica. O salário? Se for sem carteira assinada, é R$ 461 a menos que o mínimo legal. Mais que uma diferença de valores, é uma diferença de valor. 

A economia, dizem, vai bem. O DIEESE, no boletim de outubro, nos informa que 86% das negociações salariais resultaram em aumentos reais. Ótimo, mas aumento para quem? O Índice da Condição do Trabalho (ICT-DIEESE) até subiu, passando de 0,57 para 0,63 entre 2023 e 2024. Ainda assim, essa melhora não foi suficiente para apagar a tinta da desigualdade racial que colore o mercado de trabalho brasileiro. 

A população negra, que representa 57% do país e 55% dos trabalhadores, continua sendo a maioria nas estatísticas da exclusão. Avançamos? Sim. Mas a passos curtos, enquanto a desigualdade segue correndo em disparada. 

O 20 de novembro é Dia da Consciência Negra. Uma data para refletir, sim, mas também para agir. Porque só consciência não basta. É preciso ação, políticas públicas, coragem para desafiar o status quo. Não adianta só arrumar a sala enquanto a estrutura da casa continua comprometida. 

E enquanto a igualdade seguir como um destino longínquo, seguiremos aqui, caminhando nessa estrada de pedras, com a poeira da desigualdade insistindo em nos lembrar que ainda temos muito chão pela frente. 

João Guató

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