Quem Vai Pagar a Conta do Ajuste Fiscal? Adivinhe!
Em tempos de ajuste fiscal, o governo se apressa em equilibrar as contas públicas, prometendo a tão sonhada estabilidade econômica. Mas, entre tecnocratas engravatados e sorrisos nos salões do mercado financeiro, surge a velha e boa pergunta: quem vai pagar a conta? E, como sempre, a resposta já é conhecida — os mais pobres.
Na teoria, ajuste fiscal é aquele remédio amargo que todos precisam tomar para a saúde econômica do país melhorar. Na prática, é mais como uma dieta onde os ricos mantêm seus banquetes, enquanto os pobres ficam só com as migalhas. Vamos aos exemplos:
O Salário Mínimo que Não Sobe
Enquanto o mercado dá piruetas comemorando “austeridade fiscal”, o trabalhador que vive do salário mínimo vê um aumento pífio, limitado a 2,5% ao ano. Parece pouco? É porque é. Isso, na real, significa que o salário não vai acompanhar o aumento do custo de vida. O feijão sobe, o aluguel sobe, mas o salário… esse engatinha. Quem precisa, que aperte ainda mais o cinto — se ainda houver cinto.
Abono Salarial: Uma Mão que Dá, Outra que Tira
Antes, quem ganhava até dois salários mínimos podia contar com o abono salarial como aquele alívio anual. Agora, com o limite reduzido para R$ 2.640, muitos trabalhadores ficaram de fora. O benefício virou miragem. E o discurso? “Precisamos cortar gastos.” Cortar de quem? Não dos milionários, claro.
Programas Sociais: Menos Fraude ou Mais Excluídos?
O Bolsa Família e o BPC (Benefício de Prestação Continuada) estão sob vigilância constante. O governo quer evitar fraudes? Justo. Mas, no meio disso, pessoas que realmente precisam enfrentam uma verdadeira via-crúcis para provar que existem e continuam pobres. Enquanto isso, o mercado assiste de camarote, satisfeito com a promessa de “eficiência”.
Cortes em Saúde e Educação: O Futuro em Jogo
Saúde e educação, pilares para qualquer país minimamente decente, também entram na faca. Menos investimento significa hospitais mais lotados e escolas mais sucateadas. Quem sofre? Quem depende do SUS, quem precisa da escola pública. O mercado financeiro não sente — eles têm plano de saúde top e filhos em escolas bilíngues.
Tributação para Ricos: Uma Pitada Simbólica
Ah, mas tem aumento de impostos para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês! Verdade. Só que essa tributação é uma gota d’água no oceano do privilégio. Enquanto isso, o grosso do ajuste fiscal recai sobre os ombros já curvados dos que vivem com muito menos. É como tirar um bombom de um bilionário e, ao mesmo tempo, roubar o pão da mesa do trabalhador.
Mercado, o Grande Beneficiado
No fundo, o mercado financeiro — essa entidade quase mítica — é o grande beneficiado. Com a promessa de contas equilibradas, os investidores sorriem, as ações sobem e os bancos faturam. Para eles, ajuste fiscal é sinônimo de lucro. Para os mais pobres, é sinônimo de menos comida na mesa, menos remédio no armário, menos futuro para os filhos.
E Agora José?
O discurso oficial é o de que “todos precisam fazer sacrifícios”. Mas será que todos estão realmente sacrificando? Ou será que uns poucos continuam comendo filé mignon, enquanto a maioria se contenta com osso? O ajuste fiscal pode até ser necessário, mas do jeito que está sendo feito, a conta — como sempre — sobra para quem já está no limite.
E aí, quem se atreve a dizer que isso é justo?
Entre os Escombros da Esperança
— Você viu o que anunciaram ontem? — disse o Zé, sentado na beira da calçada, ajeitando o chapéu velho que já havia perdido a cor original.
— Vi, vi sim. — respondeu o Paulo, mexendo no motor de uma velha máquina de costura, tentando entender o que ainda podia ser salvo daquele pedaço de ferro. — Eu não sei mais se é governo ou é piada.
— Piada é o que eles fazem com a gente, né? — Zé riu sem graça, olhando os carros passando apressados. — Agora, além de não aumentarem o salário mínimo, cortam o abono, taxam quem mal consegue pagar as contas no fim do mês… E isso é o quê, exatamente?
Paulo olhou para o Zé com um sorriso cansado, como se estivesse esperando aquela pergunta desde o primeiro corte anunciado.
— Ajuste fiscal, — respondeu Paulo com um tom sarcástico, fazendo aspas com os dedos. — Eles dizem que é pra “equilibrar as contas do país”. Mas é um ajuste que só aperta no pescoço de quem já vive com a corda quase cortando a garganta.
Zé balançou a cabeça, quase sem acreditar nas palavras do amigo.
— É, o Lula vai se lembrando do povo pouco a pouco… Agora a conta vai pra nós, né? Se não conseguimos pagar o gás, o arroz ou a luz, agora vão tirar até o pouco que conseguimos juntar. Taxar quem mal tem o que comer… — ele bufou, olhando o horizonte como se quisesse entender o porquê de tanta dor. — E os ricos? Os milionários que sempre pagaram pouco imposto, esses ficam… na boa, né?
Paulo deu um leve sorriso. O cansaço dele estava estampado na cara, mas seu sarcasmo ainda tinha vida.
— Claro! Você já viu algum ricaço se preocupar com a inflação? Eles nem sabem quanto custa o quilo do feijão, meu amigo. Eles jogam o jogo deles, e a gente… a gente fica aqui tentando jogar nas regras que eles criam. As regras do jogo são feitas para nós perdermos. Sempre.
— É uma piada, — Zé repetiu, balançando a cabeça. — Essa tal de “responsabilidade fiscal” virou a desculpa para tirar comida do prato de quem já mal tem. Só que eles falam de ajuste fiscal e esquecem de falar do ajuste social, né? Da desigualdade que nunca se mexe. Como é que pode, com o país afundado em miséria, o ajuste vir para quem menos tem?
Paulo deixou a máquina de costura de lado e olhou para o Zé com uma sinceridade que não escondia a frustração.
— Eles dizem que é necessário para o Brasil “voltar aos trilhos”, Zé… Mas quando foi que o Brasil andou na direção certa pra quem mora na favela ou no sertão? — disse, fazendo uma pausa. — Se tiver que fazer o “ajuste”, que ajustem as coisas certas. Comecem pela dívida pública, pelos grandes banqueiros, pelos políticos milionários… Mas não. Eles escolhem quem já está no fim da linha. Escolhem a gente, os que já são invisíveis.
Zé suspirou, pegou o cigarro do bolso e acendeu, pensando nas palavras do amigo. A fumaça subiu, se dissipando no ar quente da tarde. O silêncio entre os dois parecia mais pesado do que qualquer discurso de governo.
— Eles não querem justiça social, Paulo. Eles querem apenas garantir que a elite continue com os pés bem plantados no topo e os pobres, bem, os pobres continuam sendo pobres. A política deles é essa: controlar os que não têm nada e manter os que já têm tudo, tudo do jeito que sempre foi… — Zé exalou a fumaça com um desdém. — Essa história de “ajustar” sempre é um ajuste para que o pobre fique mais pobre. O que eles chamam de “ajuste fiscal” é só uma cortina de fumaça. Eu que já não tenho nada, nem o que perder, percebo isso muito bem.
Paulo deu um sorriso, mas sem muita graça.
— E quem vai ser o culpado por tudo isso? A gente, claro. Quando as coisas piorarem de vez, vão jogar a culpa em quem mal consegue trabalhar, em quem mal consegue viver. Vai ser mais um circo, mais um jogo de palavras para desviar a atenção do que realmente importa.
Zé olhou para o horizonte novamente, os olhos perdidos naquelas promessas vazias que sempre voltam nos discursos de quem manda.
— E quem paga o preço? — perguntou ele, com uma tristeza que se espalhou pelo ar quente da tarde.
Paulo não respondeu de imediato. Ficou ali, pensando. A resposta estava clara, mas a dor de sempre parecia ter se instalado no peito.
— Nós, Zé. Sempre nós.
Zé e Paulo estavam sentados na velha calçada, como sempre, esperando o sol se pôr para que o calor diminuísse um pouco. As conversas nos últimos tempos sempre giravam em torno das notícias do governo e os ajustes anunciados, mas agora, o tema parecia ter chegado ao limite da paciência.
— Sabe o que eu não entendo, Paulo? — Zé começou, com o rosto carregado de indignação. — Esses ajustes, esses cortes, esses pacotes de “responsabilidade fiscal”… tudo cai no nosso colo. Mas quem são os responsáveis por essa dívida toda?
Paulo virou a cabeça lentamente para o amigo, com a expressão cansada, como se já soubesse o caminho da conversa.
— Ah, eu sei, Zé… São sempre os mesmos, né? Os deputados que enchem a cara de emenda parlamentar, os banqueiros que embolsam bilhões com juros abusivos… Agora, dizem que tem que cortar na carne do pobre, taxar quem mal tem o que comer, enquanto os ricos continuam… ricos, cada vez mais ricos.
Zé soltou um suspiro, o rosto vermelho de raiva, como se estivesse tentando entender uma fórmula que não fazia sentido.
— E ninguém fala nada sobre isso? Sobre o que esses deputados ganham com as emendas? Cada um deles recebendo uma fortuna, desviando grana de onde pode, e a gente, que trabalha o mês inteiro, é quem paga a conta no fim das contas. É como se eles jogassem todo o peso da nossa miséria sobre os ombros de quem já está afundado.
Paulo olhou para o Zé e, com a voz mais baixa, quase como um sussurro, fez um comentário irônico.
— Não se preocupe, Zé. Eles estão “ajustando” o Brasil… ajustando ele para a conta dos mais pobres. As emendas parlamentares? Ah, essas são isentas de imposto! E tem mais: os juros dos bancos? Esses continuam crescendo, mesmo que o povo esteja se afogando na dívida. Não tem “ajuste fiscal” para a farra do sistema financeiro, né? Só para quem já está na lona.
Zé passou a mão na testa, como se tentasse enxergar uma saída para a confusão.
— É incrível! Eles falam de “ajuste fiscal”, mas o que a gente vê é um ajuste para os pobres… para os mais pobres. Enquanto o governo tenta manter os banqueiros felizes, o povo, esse mesmo que botou o Lula lá, vai pagar a conta de tudo isso. Aumenta a gasolina, a energia, a comida… E o salário? Não sobe! Não sobe! E quem ainda tem alguma coisa, vai perder…
Paulo ficou em silêncio por um momento, observando o movimento da rua. Os carros, os ônibus, as pessoas que passavam apressadas, como se tivessem algo mais importante do que pensar nos problemas do país. Ele deu uma risada curta, sem humor.
— A verdade, Zé, é que eles estão só equilibrando o jogo. Eles tiram de quem não tem nada para dar mais ainda para quem já tem tudo. Os milionários estão cada vez mais ricos, os bancos seguem engordando seus cofres, e nós, bom, nós continuamos aqui. O Brasil vai “voltar aos trilhos”, só que não é para o povo… é para os trilhos do dinheiro dos ricos. Isso sim.
Zé olhou para o Paulo, seus olhos brilhando com a frustração de quem já viu esse filme várias vezes e sabe como termina.
— E como é que a gente diz para o povo que tá lá embaixo, sem entender nada disso, que o ajuste não é para eles, que não tem reforma de verdade, que o sistema continua funcionando para manter o jogo nas mãos dos mesmos? Como é que a gente diz isso, Paulo? Que a luta vai ser ainda mais difícil?
Paulo deu um sorriso amargo.
— Não tem como, Zé. Eles não querem que o povo entenda. Eles querem que o povo continue acreditando nas promessas, esperando pela mudança que nunca vem. Enquanto isso, a miséria vai aumentando, as oportunidades desaparecendo, e o governo vai dando uma esmola aqui e ali para enganar todo mundo. O que eles estão fazendo é simples: empurrando o povo para o fundo do poço, enquanto ficam lá em cima, em cima do topo da pirâmide, sorrindo e se achando os “salvadores da pátria”.
Zé ficou em silêncio. A sensação de impotência era quase palpável. O que mais se podia fazer quando as regras do jogo estavam tão claramente armadas contra quem não tem dinheiro, quem não tem poder?
— E quem paga a conta no final, Paulo? Quem paga? — Zé perguntou, como se a resposta fosse óbvia, mas ainda assim ele precisava perguntar.
Paulo olhou para o amigo e respirou fundo, como se estivesse tentando guardar dentro de si um pouco de esperança, mas a verdade estava ali, crua, nua e sem máscaras.
— Nós, Zé. Sempre nós.
E naquele momento, a rua pareceu mais silenciosa do que nunca. As vozes da indignação se perderam no barulho da cidade, mas Zé e Paulo sabiam que a luta contra a desigualdade, contra os ajustes de quem nada entende da vida do povo, estava apenas começando. E, como sempre, quem se levantaria para pagar a conta, seriam os mesmos de sempre.