Visão de Crianceira
A pedagogia das aprendências, essa que nasce do ventre da infância, não se ensina apenas com palavras, mas com silêncios e gestos. Porque, se a gente fala a partir de ser criança, fala com a alma que ainda não se separou das raízes da natureza, fala como quem pertence a um lugar onde o mundo não se divide, mas se comunica. Fala como quem sente o orvalho que escorre da folha, a aranha que pacientemente constrói sua teia, as garças que voam na mesma tarde, e o pássaro que canta no topo da árvore. Porque a infância, essa época mágica e pura, nos ensina a ver o mundo com os olhos de quem está aprendendo a se reconhecer em tudo o que existe.
Era assim, num tempo perdido, que eu aprendi a perceber o escuro como uma fonte de luz. Não um escuro medroso ou sombrio, mas um escuro que se acende quando a mente ainda não se fechou para as possibilidades. No jogo entre luz e sombra, descobri que o escuro tem seu próprio brilho, uma revelação escondida que só a criança é capaz de enxergar. E essa visão, oblíqua e curiosa, que me acompanha até hoje, eu sei que vem de um lugar profundo e essencial onde não havia barreiras entre eu e o mundo. Onde eu era, simultaneamente, o menino e o sol, o menino e o rio, o menino e as árvores. Eu era uma parte da paisagem, e a paisagem era uma parte de mim.
Esse olhar não se perde. Ele se reinventa na experiência e se transforma em sabedoria de quem já foi capaz de ver o que está além das formas, além das aparências. Quando o adulto tenta explicar a vida por meio de conceitos rígidos, a criança, com seu olhar livre, já sabe que a vida não pode ser contida. Ela pulsa no ritmo da árvore que cresce, no voo da garça que se eleva sem pressa, na fluidez do rio que nunca é o mesmo.
A pedagogia das aprendências, portanto, não é feita de ensinamentos formais ou prontos. Ela é feita de comunhão. Uma comunhão que não precisa de palavras para se entender. Uma comunhão que respeita a natureza da criança e o seu tempo de ser. O menino, no seu lugar perdido, não precisava ser ensinado sobre o mundo; ele simplesmente o vivia. Ele sabia que o sol era seu amigo e que o rio, com sua correnteza tranquila, levava mais do que pedras e folhas: ele levava sonhos. Ele sabia que, no escuro da noite, havia algo a ser aprendido.
Quando trazemos essa visão crianceira para a pedagogia de hoje, não estamos apenas tentando recordar um passado distante, mas sim reconectar-nos com a sabedoria que a infância nos oferece. Uma sabedoria que, no fundo, não ensina a criança, mas permite que ela aprenda por meio da comunhão com o mundo que a rodeia. E, assim, a educação verdadeira se torna um espaço de troca constante, onde as experiências se misturam, onde a natureza se faz mesttra e o saber se dá pela vivência, pela percepção do todo, onde o menino e a árvore, o menino e o rio, o menino e a garça, são todos partes de um único ensinamento.
Porque, no fim, é isso que a pedagogia das aprendências nos ensina: a arte de aprender com o mundo, de ver com os olhos da criança e, talvez, descobrir que o verdadeiro conhecimento está em saber se perder para se encontrar.